Sunday, November 28, 2004

o que vem

Advento de quê? Quatro semanas, quatro domingos de espera, de preparação. As veredas estão aí para ser endireitadas. Mas para dar lugar a que caminhos? Que espera é esta? O que queremos que nos abra? Que luz vem lá da frente, do ponto pequenino e frágil onde já sabemos que vamos chegar?

Monday, November 22, 2004

commons

Há o bem comum, há os bens comuns e há os interesses individuais. Há a água, o ensino, o emprego e há o lucro e a vontade de o acumular em crescendo. Dizem-nos que os bens, sendo comuns, dão lugar à ineficiência. Dizem-nos que o bem comum se atinge mais facilmente se deixarmos os interesses individuais negociarem à vontade. Dizem-nos que o resto são "amanhãs que cantam". E eu vejo o bem comum a esfumar-se, devagarinho, perdendo cada vez mais nitidez...

Friday, November 19, 2004

cinismo não, obrigado

Um governo pediu desculpas públicas pelas matanças perpetradas no passado pelos seus dirigentes. Os cínicos dirão que não adianta nada, que agora é fácil pedir perdão porque as mortes e o sofrimento já ninguém os pode anular. Mas os cínicos são sempre assim: são totalmente incapazes de acreditar na transformação e, para eles, qualquer expressão do Bem é suspeita. Afastemos, pois, o cinismo: que um governo peça perdão ao mundo por graves faltas anteriores é um sinal de esperança. Porque abre caminho para que a memória da indignidade seja superada. E porque nos desperta, a todos, para o serviço da humanidade como único critério do exercício do poder. E isso é um bem.

Wednesday, November 17, 2004

troféus

Na Costa do Marfim, os tiros da rebelião tomaram como alvo soldados do que deveria ser um missão de paz. No Iraque, membros de organizações não governamentais humanitárias são tomados como reféns, como se de mercenarios se tratassem. No campo de batalha, marcado pela vertigem do ódio, os fazedores da paz tornam-se apetecidos troféus de Guerra. Há quem veja aí a prova de que tem razão de ser o ditado “se queres a paz, prepara-te para a guerra”. Mas rendermo-nos a esse olhar fatalista significaria anular a verdadeira força dos fazedores da paz: a de quebrar a espiral imparável da violência. Mesmo, e sobretudo, quando tudo recomendaria o olho-por-olho-e-dente-por-dente.

Monday, November 15, 2004

bravura

A morte deYasser Arafat já foi lida e relida à luz de mil e um critérios. E todos convergem para um mesmo ponto: a Palestina é hoje o nó de quase toda a conflitualidade mundial. Por isso, mas sobretudo pelos homens e mulheres cujas vidas são quotidianamente devastadas por essa guerra, a paz justa no Médio Oriente é o imperativo politico maior do nosso tempo. Arafat cometeu muitos erros na sua vida política. Mas que se tenha disposto – com custos pessoais e politicos muito altos – a cortar a espiral do ódio e a negociar a paz é algo que não deve nunca ser esquecido. Porque essa foi a sua prova maior de bravura.

Sunday, November 14, 2004

espelho meu

O descanso tornou-se numa das mais radicais utopias da actualidade. Sobre-ocupamos o nosso tempo com mil e uma coisas, como se isso fosse um mandamento. O tempo livre é cada vez mais o contrário disso mesmo, sempre preenchido com afazeres contados ao minuto. Os fins de semana esgotam-se nos corredores dos hiper-mercados ou das grandes superfícies comerciais. E até as férias se rendem ao mandamento da ocupação. Foi para olharmos para nós que deixámos de ter tempo. Deliberadamente. Porque isso nos confronta, sem tréguas, com aquilo que somos.

Saturday, November 13, 2004

o ovo da serpente

Leio as análises sobre o genocídio em Darfur e elas dizem-me que foi descoberto petróleo naquele território. Vejo os relatórios sobre a violência crescente na Costa do Marfim e eles sublinham que há petróleo naquele país. Há artigos que advertem para a instabilidade política em S. Tomé e Príncipe e que fazem notar a descoberta de petróleo naquelas ilhas. Está na altura de dizer com clareza que o modelo de desenvolvimento económico adoptado pelo mundo rico é o principal culpado das guerras e matanças em grande parte do globo. Está mais do que na altura de os cristãos dizerem, com frontalidade, que este desenvolvimento é um pecado.

Monday, November 08, 2004

a paz, apesar de tudo

Rabinos judeus, sacerdotes ortodoxos, talvez também padres católicos. As televisões mostraram-nos às portas do hospital de Paris em que Arafat foi internado. Quem tenha visto nisso apenas uma excentricidade não viu o essencial. E o essencial foi a grandeza desse sinal de busca da paz. O que todos tínhamos que ter visto ali era a urgência da paz sólida, dessa que se constrói não com concordâncias quimicamente puras mas com o sofrimento que sempre causa o acolhimento do diferente.

Friday, November 05, 2004

it's politics, stupid!

Há poucos anos atrás, muitos futebolistas brasileiros a jogar em Portugal assumiam publicamente a sua condição de cristãos. Em nome do Evangelho, agradeciam a Deus os golos marcados, limitavam as faltas duras contra o adversário e consta mesmo que anunciavam a Bíblia no balneário. E, no entanto, nada de essencial se alterou: a baixeza moral e humana domina, cada vez mais, o mundo do futebol. A lição é clara: a presença dos cristãos no mundo ou transforma a realidade de fundo ou acaba por ser um conjunto de quixotismos individuais e desgarrados. Não basta o gesto pessoal. As políticas que mudam são uma prioridade para os seguidores de Jesus.

Wednesday, November 03, 2004

anti-prozac

Contra o orgulho espaventoso do fariseu, o publicano foi louvado por se humilhar aos olhos de Deus. E, por cima disso, acumularam-se séculos de elogio da auto-flagelação e do miserabilismo. Uma Igreja de deprimidos é tudo o que Deus não quer. O que nos é pedido é a sabedoria da humildade, reconhecendo que já fazemos muito caminho, mas que há sempre muito mais caminho para andar.

Monday, November 01, 2004

os santos

Talvez estejam nos cemitérios e por isso o povo antecipe um dia a memória dos defuntos. Mas há-os, acredito que às mãos cheias, entre os vivos. Falam-nos, interpelam-nos, deixam-nos muito intranquilos e desafiam as nossas certezas estabelecidas. Se a prática de milagres é o que os distingue, estejamos então atentos aos milagres de desassossego e de entrega que eles operam em cada dia ao pé de nós. São os santos, todos os santos. Andam hoje por aí.