Monday, October 31, 2005

padrões

Com o catálogo dos santos a crescer vertiginosamente nos últimos anos, tornou-se difícil para um cristão comum manter actualizados os padrões de santidade. Ainda bem. O desafio maior de comemorarmos amanhã todos os santos é exactamente o de percebermos que a santidade tem contornos e expressões extremamente diversos. E que santos há-os, imensos, anónimos, no serviço dos outros, mesmo ao nosso lado e sem obedecerem a padrão certo.

Friday, October 28, 2005

gripe da fé

O Deus de Jesus Cristo não envia pragas nem doenças para se vingar das maldades dos homens. Só quem ficou parado no Antigo Testamento pode pensar que as pandemias deste tempo - a SIDA, a malária ou, agora, a gripe das aves - são um castigo de Deus. Jesus não passou pelo olhar de quem só conhece um Deus punidor. Os pobres frangos morrem de vírus. O amor de Deus, esse, é feito de vida em abundância. Para lá de todas as partículas.

Wednesday, October 26, 2005

o essencial

Às lágrimas magoadas da filha, ela respondeu apenas com carinho. À dor insuportável da filha por um amor bruscamente interrompido, ela deu um ombro meigo. Sempre sem palavras. Porque não eram precisas. Na Igreja devíamos ser assim. Com muito mais silêncio de acolhimento do que com doutrina pronta-a-servir. Com muito mais disponibilidade para limpar as lágrimas de quem sofre do que certezas para catalogar os comportamentos. Com muito mais amor do que código.

Monday, October 24, 2005

60 anos

Há precisamente 60 anos, entrou em vigor a Carta das Nações Unidas. O mundo seria certamente outro, para pior, sem a ONU. E se o nosso tempo está carregado de sombras, feitas de falta de vontade de limitar os poderes brutais que comandam os destinos económicos, políticos e militares do mundo, este aniversário bem pode ser um motivo para sublinhar que, hoje como há 60 anos, há gente que não se resigna à guerra e à violação dos direitos como modo de funcionamento do mundo. E é a lucidez dessa gente que nos dá horizontes para a vida.

Friday, October 21, 2005

o riso de deus

Victor Borge, pianista cómico ímpar, que fez do humor fino a mais forte das armas contra o nazismo, deixou-nos uma provocação sublime antes de morrer: “O riso – disse ele – é sempre a distância mais curta entre duas pessoas.” O riso é uma coisa séria. Porque afronta os poderes estabelecidos e tira do pedestal as verdades postiças feitas dogmas. Há-de haver uma teologia do riso, que diga que é dom de Deus a vontade genuína de rir. E que nos revele as gargalhadas de Deus diante das patetices dos homens.

Wednesday, October 19, 2005

o nojo

Pelo meio do ruído de tantos números e estatísticas, despontou nos noticiários da semana passada uma cifra: Portugal é o país da União Europeia com números mais dramáticos em termos de violência contra crianças. O escândalo repugnante da pedofilia é apenas o rosto mais mediático de uma prática social espalhada e com raízes profundas. É o retrato de uma sociedade cobarde, que verte na agressão dos mais fracos o fel da impotência e da frustração que a pobreza, a falta de horizontes de futuro ou o ressentimento. O respeito dos direitos humanos das crianças é cada vez mais um indicador de civilização.

Monday, October 17, 2005

é a vida...

Aprender não é algo que se faz quando não se está a fazer outra coisa. Essa miopia, que deixa a aprendizagem acantonada nas sobras da vida activa - e que opõe, por isso, uma à outra - é responsável pelo não reconhecimento do valor único da sabedoria da vida. Este é também um desafio crucial para os cristãos: darem mais espaço à vida do que aos cânones e acolherem a vida toda como espaço de aprendizagem do que é a fé verdadeira.

Friday, October 14, 2005

(a)normalidades

É muito mau sinal que uma semana de chuva seja notícia. Multiplicam-se, em cada ano que passa, os dias de seca, de calor e de fogo. Mas nem por isso os governos encontram os caminhos do acordo na regulação de problemas como as alterações climáticas, a desertificação ou a delapidação da camada de ozono. Má vontade? Não, defesa dos interesses nacionais de cada um. As leis da competitividade económica internacional e da conquista de mais um ponto percentual nas estatísticas do crescimento são mais sagradas que a integridade da criação. É por isso, que se a esta semana se seguirem mais semanas de chuva, poucos serão os que ousarão continuar a lembrar a necessidade de poupar água ou energia. Tudo terá voltado ao normal. Até à próxima seca.

Friday, October 07, 2005

mãos limpas

As mais de duas centenas de investigações sobre casos de alegada corrupção nas autarquias portuguesas são o rosto mais preocupante do que leva tanta gente a descrer da política local. A lonjura e a sobranceria dos poderes centrais, em vez de travadas pela força da legitimidade, são cada vez mais contrariadas por formas de proximidade podre, feitas de favorecimento de interesses particulares, de apropriação privada dos recursos e espaços públicos e de lógicas de compadrio à margem da lei. É moral e político o combate contra esta lama. Os crentes não têm o exclusivo da virtude. Mas sobre eles recai a enorme responsabilidade do testemunho.

Wednesday, October 05, 2005

república

A memória da experiência republicana em Portugal ainda suscita muito ressentimento no campo católico. Mas, sem branquear os evidentes limites e perversões dessa experiência histórica, esta página do calendário deve ser muito mais um desafio de futuro do que uma lembrança do passado. A República – como a democracia ou os direitos humanos – é uma promessa sempre por cumprir. A igualdade, a liberdade e a fraternidade sobre que se edifica são uma responsabilidade sem fim. E nessa responsabilidade, como naquela promessa, crentes e não crentes irmanam-se.

Monday, October 03, 2005

candidat@s

O que faz correr aquele homem do interior esquecido ou aquela mulher da urbe hiper-povoada à vereação municipal ou a um lugar na assembleia de freguesia? A busca de reconhecimento e de prestígio? O fascínio do poder? A vontade de deixar uma marca na História? Talvez tudo isso. Mas há muita, muita gente, que se dispõe apenas a servir os outros e a lutar pelo bem comum. Bem-aventurados/as sejam todos/as eles/as, pela força irresistível da sua interpelação.