Wednesday, April 29, 2009

a irmã morte

Oiçam com atenção Filipe Almeida, director do Serviço de Humanização do Hospital de São João, no Porto. Em entrevista à "Sábado", mostra com serenidade e lucidez como o/a médico/a deve acolher a morte com a mesma elevação e humildade com que trata a vida. Assim: "Quando alguém decide que um doente é para não reanimar, um dos grandes medos é: 'e se eu for responsabilizado por não o fazer?' E não se percebe que se fizermos o contrário estamos a obrigar o doente a sofrer sem razão. (...) Há doentes que acham que não conseguem suportar mais o sofrimento. Recordo-me de um senhor em fase terminal que não queria que lhe fizessem nada porque sabia que estavamos só a adiar a morte. (Pergunta: 'Essa vontade é respeitada?') -Deve ser".

Monday, April 27, 2009

waterboarding abençoado

Num momento em que a sociedade americana se confronta com o fantasma incómodo da prática da tortura, o Pew Forum on Religion and Public Life mostra que os cristãos americanos (católicos ou evangélicos) não rejeitam essa prática. E mostra também que os/as que mais frequentam a prática litúrgica são os/as que maior índice de aprovação da tortura evidenciam. Da próxima vez que o Papa discursar em Ratisbona, não precisa de rebuscar autores antigos para mostrar que há religiões que convivem com a violência - basta que cite inquéritos de opinião do século XXI.

Friday, April 24, 2009

nota de memória

Faz hoje 35 anos, eu era estudante de um liceu só para rapazes - que isso de juntar os dois sexos era obra de Satanás e só servia para exacerbar as hormonas revoltadas. Nesse meu liceu havia um fantasma: o de irmos morrer a uma guerra estúpida em nome de uma pátria que mandava em nós sen nos dar nenhum carinho. Ah, essa guerra (dizia-nos o fantasma) era provocada por terroristas e com terroristas não se negoceia. Viviamos todos com esse fantasma, sem falarmos muito com ele a não ser para lhe atirar umas pedradas de vez em quando. Nos corredores e recreios do meu liceu passavam de mão em mão papelinhos amarrotados com letras de canções proibidas e partilhavam-se suspiros pela liberdade trazida pelas fotografias dos grandes festivais hippies de Woodstock ou da White, ou pelas leituras às escondidas de livros de bolso clandestinos. Tinhamos professores aterrorizadores e professores magníficos - mas nem uns nem outros viviam sufocados em fichas, indicadores, objectivos e coisas do género.
Faz hoje 35 anos, eu tinha, nós tínhamos medo. Um medo pastoso, cinzento escuro, omnipresente, feito tanto da noção de estar vigiado como do sacrossanto mandamento do respeitinho muito lindo.
Faz hoje 35 anos, os jornais noticiavam um crescimento muito forte da economia portuguesa. Devia ser verdade - pelo menos a avaliar pelas fotografias sorridentes das famílias de bem dos banqueiros e dos comendadores, das chamadas "empresas do regime". É certo que também vi fotografias de gente, de muita gente, a emigrar para os bidonville de Paris. Mas isso era gente "sem eira nem beira" e, por isso, sem direito a atenção dos senhores engenheiros de então.
Faz hoje 35 anos, a filha dos meus vizinhos, um pouco mais velha do que eu, levou uma valente reprimenda do pai por ter chegado a casa à uma da manhã na noite anterior. Ainda por cima cheirava a tabaco! Podia lá ser! Uma rapariga! O que é que iam dizer os outros?
Faz hoje 35 anos, não houve nenhuma greve. Pelo menos não veio no jornal. Parece que houve umas cargas valentes da polícia no Barreiro - era o que se dizia - "para manter a ordem e fazer cumprir a lei".
E, de repente, no meio desta memória magoada, irrompe a pergunta perturbadora do José mário Branco: "Que dia é hoje, hãn?!"
Valeu a pena a manhã seguite? Claro que valeu a pena. Pela emoção e pela lluta, pelo destemor e pela franqueza, pela justiça e pelas palavras - valeu muito a pena. Gracias a la vida por isso. Ah, é verdade: faz hoje 35 anos não houve Conselho Superor na Antena 1.
(Texto lido hoje na rubrica "Conselho Superior", da Antena 1)

Wednesday, April 22, 2009

racismo

Não será por certo uma fastidiosa reunião diplomática que eliminará a estupidez criminosa do racismo. As chancelarias fazem aliás questão de o confirmar em pleno nesta cimeira de Genebra. Os que criaram o racismo, o usaram e usam para reforçar o seu domínio no mundo exibem agora um virginal escândalo diante da acusação de racismo de Israel para com os palestinianos. O país que elegeu Obama - e, com isso, deu alento à denúncia do racismo como insulto à inteligência da humanidade - recusou-se a estar presente por blablabla. Entretanto, o racismo aí está como violação absurda dos direitos humanos. O combate espera por protagnistas. Já se viu que não serão estes.

Monday, April 20, 2009

(in)falibilidades

É falível, disseram-lhe. Sim, é certo, nunca houve o desplante de inventar o dogma da infalibilidade do preservativo. Seria aliás um completo disparate qualificar como infalível qualquer realidade humana. Eis uma importante aprendizagem para os/as aduladores/as encartados/as do homem sucessor de Pedro.

Friday, April 17, 2009

não

O silêncio imposto, há quarenta anos, ao representante dos estudantes na inauguração do Edifício das Matemáticas da Universidade de Coimbra, foi o símbolo maior de uma política educativa incapaz de perceber que, muito mais do que a norma, muito mais do que a ordem, muito mais do que a obediência em si mesmas, o que se exige a qualquer sistema educativo é que apetreche as pessoas para serem críticas, para, com inteligência e por causa dela, dizerem 'não', se indignarem e revoltarem contra todas as injustiças, sobretudo quando as maiorias de cada momento tornam socialmente reprovável esse 'não'. Uma escola que não forme para o 'não' inteligente e firme é uma escola falhada.

Wednesday, April 15, 2009

"palestrantes de excepcional qualidade"

A evasão fiscal em Portugal cifra-se em valores próximos dos trinta mil milhões de euros. As "empresas do regime" decidem antecipadamente o que devem ser as decisões estratégicas do Estado. Os administradores de um catolicíssimo banco auto-atribuiram-se cem milhões de euros a título de prémios quando já estavam a ser investigados pela prática de crimes económicos e financeiros. Daqui a dias começa o quarto congresso do empresariado cristão. Para que serviram os outros três?

Monday, April 13, 2009

simples

Não se trata de vender os bens da Igreja para distribuir pão aos mais pobres, como ficou gravado para sempre nas "Sandálias do Pescador". Mas a decisão da Igreja diocesana de Lisboa de criar postos de trabalho nos centros sociais e paroquiais como forma de ajudar os mais pobres em tempo de crise profunda é um gesto de rasgo. A fundamentação desarma de tão clara: "Há muita gente a precisar de emprego e as instituições precisam de pessoas para trabalhar". Construir o Reino dos Céus é simples.


Friday, April 10, 2009

morte (ii)

A cruz não é o fim da História, é a sua permanência. Para @s crentes e para tod@s.

Wednesday, April 08, 2009

morte (i)

Dar a vida para salvar os outros é, sempre foi, verdadeiramente um escândalo. Estes são dias para lembrar isso: que a morte mais humilhante de um homem - como traidor, ladrão e blasfemo - não fechou a História, antes a abriu sem fim.

Monday, April 06, 2009

o deus de um não crente

Friday, April 03, 2009

a melhor forma

Talvez a melhor forma de roubar um banco seja geri-lo. E, cada vez mais, a melhor forma de tomar decisões políticas é dizer que não são políticas mas técnicas. Entretanto, ontem ficou a saber-se que a melhor forma de ultrapassar a crise económica mundial é triplicar o capital de quem mais contribuiu para ela.

Wednesday, April 01, 2009

eles sabem mas não dizem

"Os bispos, numa conferência episcopal que pressinto cada vez mais centralista e a 'uma só voz', não dizem nada. Sempre com medo... Mas com medo de quê? E de quem? Onde estão os nossos bispos? Em que país estão a viver? Será que não lêem as notícias, será que não vêem os telejornais, será que não escutam as pessoas sérias que se confrontam diariamente com estas coisas? Não acredito. Eles sabem, mas não dizem. Eles ouvem, mas não comentam. Não querem fragilizar as relações! Quais?! Desde quando é que a Igreja se pode demitir de emitir a sua opinião ou deixar de defender a verdade e a justiça social? Porquê tanto 'politicamente correcto'?!" - palavras do Padre Nuno Santos, em carta publicada no passado domingo no Público.