fronteiras

O pluralismo continua a ser um enorme desafio para as nossas comunidades cristãs. O refúgio no unanimismo, feito de obediência ou de apatia, continua a ser um alibi pesado para a falta de vontade de assumir o risco de pensar. É no íntimo da consciência pessoal que está a fronteira mais verdadeira entre o mal e o bem. Abdicar de pensar assim ofende a Deus.

vida

Falta meditação às nossas vidas. Falta-lhes o dom do silêncio fértil e desafiante. Não o silêncio da ausência mas o silêncio da distância atenta. Não é sair da vida que nos faz falta, mas tê-la sempre presente, em todos os seus dons e angústias, tristezas e esperanças. É sobre a vida que temos que meditar, salpicando-a da frescura de uma consciência renovada.

paciência

Há em Buenos Aires uma imagem do Cristo da paciência e da humildade. É um Cristo diferente: com a coroa de espinhos e com o corpo chicoteado, mas sentado, pensativo, com a mão a segurar o queixo. É uma imagem perturbante pela sua simplicidade. Devolve-nos um Cristo ainda mais nosso igual quando a morte inexplicável na cruz se avizinha já. E faz da paciência e da humildade uma provocação radical à nossa humanidade apressada e distraída do essencial. O Cristo da paciência e da humildade suspende cada um e cada uma que o contemplam nas suas insuficiências tantas vezes soberbamente convencidas.

sonhos

Com a proclamação “eu tive um sonho”, Martin Luther King pôs em marcha mudanças profundas na América e no mundo. Fez agora quarenta e três anos. Essa força incontrolável dos sonhos de justiça e de igualdade incendeia a história a cada passo. Por isso lhe têm tanto medo todos os autoritarismos. Jesus anunciou, no seu tempo, um sonho de fraternidade universal e também ele morreu pelo perigo que o seu sonho representava para os poderes políticos e religiosos. Por onde andam os sonhos dos cristãos de hoje? São sonhos de justiça ou de sucesso individual? São sonhos que enaltecem o mundo todo ou que se fecham na pequenez das ambições pessoais?

palavras

As palavras são importantes. Com elas fazemos também o mundo à nossa volta. Usamos sem pensar a linguagem da guerra para falar do que vai à nossa volta, na profissão, no espaço público, no desporto ou na família. Quando passarmos a usar a linguagem da paz, teremos porventura feito uma mudança fundamental nas nossas vidas. Será assim se não for uma cosmética postiça, mas uma expressão funda de um novo olhar.

terceiro mundo

A pobreza não tem sítio certo, é verdade. Mas a favela do Rio de Janeiro, o bairro pobre de Calcutá ou o subúrbio de Luanda são ícones de pobreza neste mundo global. A expressão “Terceiro Mundo” parece ter caído em desuso. Como se tivesse entretanto deixado de existir. É mentira. Se muitos parecem cair nessa armadilha de representar o mundo como uma aldeia igualitária global, não o façam os cristãos. Olhem com discernimento as diferenças entre mundo pobre e mundo rico. E não neguem nunca a existência de um Terceiro Mundo, onde a pobreza é tanto pecado global como sítio de salvação. Também global.

ser bom

O menino correu como se fosse para receber um presente. Mas era para dar uma esmola a um pobre. E, no entanto, vi nele os mesmos olhos de entusiasmo e a mesma urgência. A ânsia de ser bom não é normal. Talvez precisemos das crianças para que volte a ser.

da barbárie

As memórias da barbárie voltaram ontem. Recordámos o choque, a incredulidade, a dor indizível. E ouvimos renovadas promessas de não dar espaço à violência e de travar o caminho à vingança cega. Para os cristãos, muito para lá das juras de paz para consumo fácil, impõe-se um grande discernimento para identificar os muitos rostos do mal. Porque há muito mais do que o mal que nos é posto diante dos olhos. E a conversão que nos é exigida não se pode contentar com a espuma das imagens mediáticas.

recomeço

Para quase todos, este é o tempo da renovação das apostas para o tempo que está para vir. Um novo ano lectivo, um novo ano profissional, um novo ano editorial. Um tempo novo. Com forças renovadas não só pelo descanso, mas também pelas conversas e pelas leituras que pudemos ter, desenhamos agora planos e projectos. Este é, por isso, um tempo denso para a condição crente. Em que o verbo pode voltar de novo a fazer-se carne.

por dentro

Sentir a dor dos pobres é sempre mais do que ter piedade superficial por eles. Conhecemos as geografias da fome e da miséria que nos batem à porta e também aquelas que nos chegam pelas redes de imagem. Não chega. Nem chega o lamento piedoso. Precisamos de experimentar a falta de poder, a falta de voz, a falta de horizontes. E de fazer dessas ausências um trampolim para a conversão das nossas vidas. E da vida à volta delas.

cruz urbana

Ser cristão numa mega-cidade, com muitos milhões de habitantes, não tem receita acabada nem costume consolidado que lhe sirvam de suporte tranquilo. Como ser próximo no inevitável anonimato? Como fazer comunidade na grande massa? Como ter fidelidade prática às bem-aventuranças na selva de betão e de asfalto? Quando a sombra protectora do campanário não existe, o desafio de ser cristão é muito mais exigente.

voz

Deus excede todas as palavras. Por mais que citemos de cor a Bíblia, não dominaremos nunca a voz de Deus. Por mais que tenhamos uma referência do Evangelho para aplicar a cada situação da nossa vida, arriscamo-nos a fazer disso um exercício de engenharia espiritual, tão fria como qualquer pensamento dogmático. Quando as palavras de Deus são lidas, aquele que as escuta sente a voz de Deus. Mas nunca a possui.