fugas e regressos
Quero hoje falar para o meu amigo que viaja sempre para o mais longe possível na altura do Natal. E anuncia que o faz para fugir do Natal dos outros. Ele foge das luzes e das compras, mas foge sobretudo das promessas de fraternidade calorosas e dos discursos de reconciliação mais vibrantes em cada ano que passa. Quero-te dizer que percebo a tua indignação e que adivinho a tua dificuldade em entender aquilo que achas não ser mais do que pieguice hipócrita. É chocante ver a facilidade com que tanta gente veste a capa do desprendimento e da bondade por uns dias, eu sei. Mas não fujas. Ou melhor, se queres manter o teu brio e escapar ao fingimento colectivo, convido-te a passar estes dias, estas noites, com os sem-abrigo das nossas ruas mais frias; a passares umas horas com os doentes sem esperança e sem companhia; a conversares um pouco mais neste tempo com as famílias de imigrantes sem papéis e a escutares até ao fim as suas angústias. Faz o teu próprio teste, antes de te enojares com a leviandade dos outros. E admite, por um momento, que esses outros fingem ser fiéis à bondade porque isso lhes é vital, pelo menos uma vez por ano, para travar a deriva de agressividade mal contida do seu dia-a-dia. Não aceitarias, por certo, que te desejasse um feliz Natal. Mas deixa-me desejar-te uns dias de maior proximidade contigo mesmo.
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