Friday, November 30, 2007

spes salvi

Que o Papa tenha escolhido a esperança como tema da encíclica que hoje tornou pública é um estímulo e um sinal. Que tenha apagado como destinatários "todos os homens de boa vontade" e a tenha restringido aos católicos é também um sinal, mas decepcionante. Falar de esperança a todos é o que se espera hoje dos homens e mulheres de fé. Uma Igreja que se fecha no seu castelo para depurar a fidelidade dos eleitos nunca saberá falar de esperança. Não são os católicos que se salvam na esperança, é o mundo todo.

Wednesday, November 28, 2007

juntos

"Como podemos viver juntos no mundo contemporâneo?" A pergunta é feita sobretudo aos homens e mulheres que professam uma religião. Sem surpresa: as religiões têm sido suportes de guerra e de clivagem, quando deviam ser pilares de unidade assente na referência comum ao transcendente e ao empenhamento pelo bem de todos. Que a tese do choque de civilizações tenha ganho o estatuto de senso comum é revelador da perversão da experiência religiosa no nosso tempo.

Monday, November 26, 2007

frágil

Amanhã, em Anapolis, cinquenta Estados falarão da paz num pedaço curto de terra. A fraqueza de uns e a força excessiva de outros fez perder sete anos a favor da guerra. Uma janela de paz é sempre uma razão de esperança. Mas os vidros desta em concreto estão demasiado embaciados. Talvez haja fotografia de família, mas não haverá família verdadeira para a fotografia. Na terra dos profetas, são eles que mais falta fazem.

Friday, November 23, 2007

11

As nossas comunidades aprenderam a obedecer a um décimo primeiro mandamento acima de todos os outros: sê prudente, não arrisques se o horizonte não for claro e se houver risco de resultados condenáveis. O conservadorismo tornou-se, na prática, uma nova virtude teologal. Os silêncios impostos e os outros, muitos, de conveniência, são um sinal dos tempos.

Wednesday, November 21, 2007

síndrome

Na bioética como na pastoral, há uma obsessão defensiva na grande maioria dos posicionamentos públicos da Igreja de hoje. Sempre que se vislumbra o risco de uma opção abrir portas a mudanças sem horizontes humanos definidos, faz-se sentir a voz pesada da prudência e da proibição. O síndrome da Igreja desconfiada está nos antípodas da Igreja da esperança. O que Bento XVI disse aos bispos portugueses devia dizer-se a toda a Igreja: são precisas mudanças profundas para pôr a Igreja a funcionar ao ritmo do Vaticano II.

Monday, November 19, 2007

a reprimenda (4)

A Igreja serve para falar de Deus, não para falar de si própria. Lembrança que, por ser escusada, soa duríssima. Mas a questão é essa mesma: para ser socialmente relevante, a Igreja não precisa de se assumir como cidadela doutrinal mas sim de ser voz e gesto de um Deus que liberta de todas as amarras que tolhem a humanidade. Não é de ortodoxia mas de ousadia que precisamos.

Friday, November 16, 2007

a reprimenda (3)

As igrejas esvaziam-se à medida que a experiência de comunidade anónima e de massas deixa de ter sentido nas vidas das pessoas. O fenómeno dos não praticantes vem muito mais de uma igreja sem sentido do que de um Evangelho sem sentido. Esta é a reflexão a fazer: que novas mediações comunitárias são precisas para a condição crente no nosso país neste momento? E que qualidade lhes deve ser exigida?

Wednesday, November 14, 2007

a reprimenda (2)

O pior que poderia acontecer à Igreja portuguesa seria que as palavras críticas do Papa acerca do seu/nosso desempenho fossem chutadas para canto, tomadas como mera confirmação de um prévio diagnóstico abatido ou como conforto para uma agenda pastoral eternamente encalhada entre a família e a catequese. Continuar a viver entre o contentinho consigo mesma e o anátema sobre o mundo pervertido já era insuportável. Agora ficou ainda mais.

Monday, November 12, 2007

a reprimenda (1)

"São precisas alterações que ponham a Igreja portuguesa a funcionar de acordo com o Concílio Vaticano II." Vindas de quem vêm, estas palavras são insuspeitas de inimizade ou de má fé. Bento XVI fez xeque aos bispos. O administrativismo paroquial e a infantilidade teológica perderam definitivamente o pé. É mais que tempo de dar à nossa Igreja a respiração das pequenas comunidades e de um laicado menos obediente e mais perto da vida. Como vai chegar a reprimenda às nossas comunidades?

Friday, November 09, 2007

celebração

Era só a celebração de um passo na vida. Nada de transcendente. Mas juntou amigos à volta da memória e dos projectos. Ninguém pronunciou a expressão "acção de graças" mas foi isso que ali aconteceu. E no fim houve quem dissesse que uma reunião de resistentes que partilham utopias nunca mortas é um sinal de esperança. Amen.

Wednesday, November 07, 2007

ausência

Faz falta uma encíclica sobre os novos contornos da questão social. A doutrina social da igreja fez caminho num universo de trabalho massificado e de produção em massa. Encarou a força do sindicalismo e o crescendo da exploração. Mas hoje essa velha realidade tem novos rostos: a precariedade, a desmobilização sindical, as retóricas tentadoras da flexigurança. É imperativo repor a dignidade de todos, e dos mais fracos acima de tudo, como critério moral das políticas públicas. Em Portugal, seria uma excelente forma de a Igreja se associar à celebração dos 100 anos da República...

Monday, November 05, 2007

rankings

Somos o segundo país da UE em que menos gente lê. Somos o segundo país da UE em que menos gente vai ao teatro, a exposições, a concertos ou a museus. Este é o nosso país. Longe da Europa, sem remissão. Esta é também a nossa igreja - porque as pessoas daquele ranking são as pessoas da missa dominical. A infantilidade teológica é um dos rostos do atraso estrutural do país.

Friday, November 02, 2007

medo

Este é o tempo do medo. De muitas maneiras, somos ensinados a ter medo de sair à rua sem arma, a relacionarmo-nos com gente de outras raças ou a tentar compreender a realidade de modo complexo, sem estereótipos nem reducionismos. A ideologia do medo tornou-se no grande mecanismo de controle social do nosso tempo. À Igreja da esperança exige-se um combate sem tréguas a esta degradação da vida. Também pelas posições que tomarmos neste combate seremos julgados.