em silêncio

"Falo hoje da Igreja portuguesa. Continua em silêncio, sem denunciar casos (infelizmente são muito abundantes), sem alertar para o que está acontecer, sem apelar para a liberdade de opinião... parece que toda a gente tem medo de falar... e agora até a própria Igreja. Bispos não se ouvem e quando dizem alguma coisa é com tanto cuidado que nem chegamos a perceber bem de que lado estão... O único lado possível para estar é o do Evangelho, é o de Jesus, é, por isso, preferencialmente, o lado dos que são mais frágeis, dos que não têm voz, dos mais "pequenos". O único lado é o da denúncia do "clientelismo", das "indemnizações chorudas", dos prémios e gratificações que nunca mais acabam... Denúncia de reorganizações de serviços onde todas as pessoas ficam a perder..." - da carta do Padre Nuno Santos, de Coimbra, no Público de ontem.

não exclui

“O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.” Soube-se há dias que este número 2267 do Catecismo da Igreja Católica tem apoiantes indefectíveis: a China, o Irão, a Arábia Saudita, os Estados Unidos e o Paquistão. Escolhas...

binário

"Mais fome leva Cáritas a criar refeitórios sociais". O país binário está aí escancarado: de um lado a classe média que começa a procurar os apoios das instituições de solidariedade; do outro, o empresário que tem o apoio de 62 milhões do banco público para compensar perdas na especulação bolsista. Cada um tem o apoio que pode...

não-notícia

Enaltece-se "a emancipação dos povos (africanos) do jugo dos regimes de ditadura" como anúncio de uma nova era. Denunciam-se as "forças internacionais (que) fomentam guerras para vender armas, apoiam os poderes políticos que não respeitam os direitos humanos e os princípios democráticos para garantirem, em contrapartida, vantagens económicas (exploração dos recursos naturais, aquisição de mercados importantes, etc.) e ameaçam desestabilizar as nações e eliminar as pessoas que procuram emancipar-se da sua tutela". Não, não é no último número do Le Monde Diplomatique, é no Instrumentum Laboris do Vaticano sobre "A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz". Não é notícia, claro.

verdade e consequência

Os absolutistas morais deliciam-se a ameaçar com as chamas do inferno todos os que não se rendam aos ditames da sua verdade particular que eles impõem como universal. Insubmissão é relativismo, contestar os códigos morais dominantes é ser-se perigoso adepto do "vale tudo". Mas, como escreveu Robert Cox, não é a História que tem uma Verdade, é a verdade que tem uma história.

não

Não, Joseph, um espermatozóide não é um homenzinho pequenino. Não, Joseph, o dom da sexualidade não tem que ter a procriação no horizonte. Não, Joseph, a liturgia em África não é exuberante, é viva.

chicote

Ontem houve chicote na missa. Jesus perdeu a cabeça, desatou aos pontapés aos pontos de venda do "pequeno comércio" e gritou com cólera incontida: "Tirai isso daqui! Não façais da casa do meu Pai uma feira!". Chamaram-lhes depreciativamente vendilhões não sei bem porquê. Afinal de contas procuravam apenas cruzar a oferta com a procura. As comunidades católicas vêem nesse episódio a fonte da sua alergia ao dinheiro. Fariam bem se pensassem nas outras muitas transacções que a casa do Pai alberga. E rapassem do chicote.

testemunhar

Não foi nunca a fidelidade a uma doutrina que Jesus pediu aos/às que o seguiram. Foi sempre e só a coragem do testemunho de um estilo de vida. O testemunho, não a regra, é a grande força da fé. É pelo testemunho vivo que ela move montanhas, não pelo acerto milimétrico dos princípios gerais e abstractos. O testemunho muda as vidas, a regra formata-as.

para o joão mesquita

"O sentido que damos à vida depende do sentido que damos à morte. Se a morte é fim derradeiro, então de pouco valem tantas lutas, empenho e sacrifício. Mas se a morte é fim-meta-alcançada, então significa um peregrinar para a fonte. Ela pertence à vida e representa o modo sábio que a própria vida encontrou para chegar a uma plenitude negada neste universo demasiadamente pequeno para o seu impulso e demasiadamente estreito para a sua ânsia de Infinito. Somente o Infinito pode saciar uma sede infinita".

Palavras de Leonardo Boff, lidas no dia da morte do João Mesquita

vitórias

O fim da proibição de financiamento público da investigação com células estaminais embrionárias, decidido pelo Presidente Barack Obama, foi alvo das críticas do vaticano Osservatore Romano e da Conferência Episcopal norte-americana, que viu no decreto presidencial uma “vitória da política sobre a ciência e a ética". Essa é a expressão de um preconceito que fez as delícias de Bush. Mas o bom senso, que defende a conjunção da ciência com a ética contra os condicionamentos de ambas por ideologias pseudo-políticas ou pseudo-religiosas, acolhe esta decisão como uma boa notícia. É a vitória de uma ética saudavelmente laica, em conjunção com a ciência ao serviço da humanidade, sem se deixar condicionar por preconceitos ideológicos.

a responsabilidade de proteger

Na ressaca das monstruosidades que se desenvolveram à sombra da não ingerência nos assuntos internos dos Estados, houve quem sugerisse a emergência de um novo princípio político e jurídico internacional: a responsabilidade de proteger. A ideia é boa - dar prioridade, sempre, à protecção dos direitos das populações mais vulneráveis. Mas haja então a coragem de defender que os responsáveis por proteger são não só (nem principalmente) os Estados afro-asiáticos e as suas elites mas também (e principalmente) os países doadores e os organismos financeiros internacionais. Para que a responsabioidade de proteger proteja realmente quem deve.

moral offshore

"Não sou arauto de princípios morais ou éticos". Assim opina o Ministro das Finanças sobre o offshore da Madeira. O "sentido de Estado" e os princípios morais têm que estar divorciados? Ou o que Teixeira dos Santos quer realmente dizer é que, sendo este um caso de evidentes contornos morais, ele opta por ser arauto de uns princípios em detrimento de outros?

avaliação de professores

"Se mulheres e homens simplesmente fossem, não haveria por que falar em educação." O militante sábio que foi Paulo Freire amarrou educação a transformação social. Porque só sendo social ela pode alguma vez ser pessoal. Quando os/as professores/as forem avaliados/as pelas mudanças sociais que conseguirem induzir, estaremos no bom caminho.

crisis? what crisis?

O offshore da Madeira é menos grave que os dos outros, disse o ministro. Porque é supervisionado, acrescentou o ministro. Extraordinário! Este não é o país do BPN, nem do BCP, nem do BPP. Este não é o país do empréstimo de milhões, pelo banco público, para cobrir perdas de um empresário privado na especulação bolsista, com um governo resignado a não interferir em práticas bancárias que "não podem ser discutidas na praça pública". O país do secretismo garante que o offshore é transparente. Este país não está em crise.