credo

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,

Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,

Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen.

Natália Correia, Ó Véspera do Prodígio! - IV

expertise

Perita em humanidade, a Igreja é também perita na moldagem do discurso. O "sim, mas..." é uma sua arma poderosíssima. Condena-se a teologia da libertação, mas apoia-se “uma sã e bem entendida teologia libertadora”. Proclama-se a liberdade de investigação e a necessidade de confrontar os desafios da ciência, mas “dentro de uma correcta e fiel interpretação do magistério eclesiástico”. Deve ser a isto que agora se chama laicidade positiva...

explicações

São 344 mil os beneficiários do Rendimento Social de Inserção, o que corresponde a um aumento de 32 mil pessoas desde Dezembro de 2007. Há quem peça explicações por este aumento. São precisas? O facto de 64% dos beneficiários serem trabalhadores não lhes diz o essencial - que a fragilidade social em Portugal é profunda e extensa e que não se trata de "bolsas" de pobreza mas de pobreza estrutural? Precisam mesmo de explicações? Não lhes basta saberem que a fonte essencial da pobreza em Portugal é a assimetria gritante e persistente de distribuição dos rendimentos?

empirias e mistérios

"A ciência não é crente nem é ateia. É pura e simplesmente ciência e, portanto, quer crentes quer não crentes vão para a ciência em pé de igualdade, com métodos científicos. A ciência não demonstra a existência de Deus nem a sua não existência. A razão é simples: Deus não é objecto de ciência, pois não é da ordem do verificável empiricamente." Tem razão Anselmo Borges. Não é pelo facto de a máquina do CERN ter avariado que a existência de Deus fica garantida por mais uns dias. Entre o criacionismo ridículo e o positivismo arrogante, eu escolho a serenidade da contemplação do mistério.

vidas concretas

A homossexualidade tem dois rostos na Igreja. Um é o do discurso oficial, que estigmatiza e culpabiliza. O segundo é o da "tolerância para com os casos concretos", com "compreensão" ou mesmo "compaixão". Rigidez nos princípios, compaixão perante os dramas. É uma táctica esperta: acerta-se sempre... Mas ele há outra coisa que não "casos concretos"? As pessoas são abstracções? E quantas vidas concretas se desgraçaram por causa da rigidez nos princípios abstractos?

tristezas e angústias

Num tempo em que as paróquias se esvaziam, a aposta em formas alternativas de estruturar a comunidade eclesial não vinga. Faltam carismas, falta criatividade litúrgica, falta arrojo estético. Substituir uma rotina massificada por outra rotina selectiva não tem sentido. A única alternativa ao católico paroquiano é o católico não praticante?

a partícula

"À procura de Deus no fundo da terra", titulava ontem o Diário de Notícias para comentar a experiência, em curso no CERN, de procura do "bosão de Higgs", a partícula que falta para explicar com mais rigor a génese do mundo tal como o conhecemos. Mas não, definitivamente Deus não estará lá, nem o relato poético do Génesis será reescrito no subsolo da fronteira entre a França e a Suíça. Não, a "partícula de Deus" não é a prova definitiva da (in)existência de Deus. Para desânimo de muitos e alívio de outros tantos.

universidade católica

Para que servem as universidades católicas? A pergunta tem tido respostas historicamente diferentes em Lisboa e no Rio de Janeiro, por exemplo. Do lado de cá, a universidade católica foi criada para formar as elites economicamente liberais e socialmente conservadoras. Do lado de lá, a universidade católica foi um alfobre de activismo social, invariavelmente situado à esquerda. Nos últimos tempos, o Vaticano tem feito saber que a universidade católica tem que voltar à sua missão genuína de difusora da mensagem cristã. Ora adivinhe o leitor a qual dos lados do Atlântico se dirigiu a advertência vaticana?...

matar o tabu

“Morrer dignamente é morrer a tempo, sem acelerar nem atrasar irresponsavelmente a morte”, disse o Professor Francisco Alarcos, sacerdote e especialista em Bioética. “A morte faz parte da vida e uma vida digna não se deve truncar por uma morte indigna”, escreveu o Professor Pablo Simón, doutor em Medicina e membro del Comité Nacional de Bioética de Espanha. Este debate permanece tabu em Portugal. Quando a ele nos abrirmos, haja vozes clarividentes e ponderadas que avisem que "no contexto da actual medicalização tecnológica da morte, o perigo não é a eutanásia injusta, mas o prolongamento artificial indevido do processo terminal."

parar

"Detem-te um pouco, pára e respira; faz uma pausa para ver as coisas como são, sem lhes dar mais importância do que a que têm. Pára para contemplar”. Recado do monge budista Chih-I, do século V. Não era o stress urbano nem a obsessão da progressão na carreira que motivava as lições do Chih-I. Era apenas a noção de que "sem respirar bem não há sabedoria. Sem sabedoria, sabe a pouco o respirar. Nem o saber de excessivas palavras satisfaz, nem o silêncio ignorante apazigua o espírito."

regras de civilidade

Pois, manutenção da paz. Mas que paz? A que faz imperativo o desarmamento dos exércitos mas premeia com armas a masculinidade dos homens de barba rija e polvilha de violências silenciadas as relações quotidianas? Sim, dar prioridade à segurança. Mas que segurança? A que assegura que a vida crua dos sem pão e dos sem-horizontes não explodirá nas avenidas das nossas compras de fim de tarde?

parece que

"[P]arece que as pessoas, embora querendo viver a dimensão religiosa nas suas vidas, não encontram no discurso e na forma de organização da instituição Igreja um espaço de acolhimento onde essa dimensão religiosa se possa fruir." Ana Vicente e Maria João Sande Lemos, no Público de ontem, põem nome na terapêutica para éste diagnóstico de bulimia eclesial. Chamam-lhe "Não ter medo do povo de Deus". Amen.