@s militantes

Quando o médico lhe disse “tenha cuidado consigo não se meta em tudo”, ela pensou no complicado que é ser militante. Pensou que a entrega total não combina com a tranquilidade social nem mesmo com o sossego familiar. Pensou que o desprendimento não dá direito a pensão de reforma e que a coerência atrai problemas com quem manda. Pensou que nos limites do corpo não cabe a tarefa imensa de ser irmã do mundo. Mas nem mesmo assim se vergou. E nunca ninguém lhe ouviu dizer, resignada, “eu cá faço o que posso...”

o velho silêncio

À medida que as nossas sociedades vão envelhecendo, cresce o mercado da velhice, com lares, estâncias de repouso, planos de poupança-reforma e clínicas de geriatria. Faz falta o resto, o que é essencial: as políticas de dignificação dos velhos, sobretudo dos mais pobres. Vejo muitos cristãos a fazer negócio naquele mercado. E causa-me surpresa tanto silêncio dos cristãos diante das políticas que existem e das muitas mais que faltam.

direito à vida

Os tempos são de grande provação para a sociedade portuguesa. Cortes drásticos em serviços públicos fundamentais, encerramento de estabelecimentos de saúde, deslocalização de empresas com centenas de postos de trabalho, horizontes inquietantes sobre as reformas, etc., etc.. Todas estas são políticas da vida. E o que estranha é o silêncio dos cristãos - pastores e leigos - sobre estes rostos do direito à vida.

papá

O Deus que é pai está nos antípodas dos deuses do medo e da punição. O Deus que é pai não estabeleceu leis, nem multas, nem castigos. Não, o Deus que é pai confia ilimitadamente em cada um dos seus filhos e filhas. O Deus que é pai não faz da nossa liberdade uma concessão a contragosto e sob condição, mas sim um tesouro incondicional. E nós, somos filhos adultos ou continuamos com medos e irresponsabilidades infantis?

falhas

Relatórios macro-económicos, avaliações de desempenho institucional, consultorias no domínio da segurança ou da justiça sentenciam que o país A ou o Estado B são destinos de risco para o investimento ou até mesmo para a ajuda ao desenvolvimento. Mas as notícias das missões ou das comunidades locais, essas dão-nos conta de uma vontade indomável de renovar a vida e de uma confiança heróica contra todos os perigos e todos os desinvestimentos. Dizer que são Estados falhados é um insulto e uma prova de ignorância.

o núcleo do pecado

As armas nucleares são, em si mesmas, um atentado contra a humanidade. Pensá-las, produzi-las, tê-las, vai frontalmente contra a narração do Génesis. É a criação no seu todo, de que Deus tanto gostou à medida que a contemplou, que é desprezada radicalmente. Não há racionalidade estratégica que disfarce uma verdade muito simples: as armas nucleares são sempre um símbolo evidente de pecado. Onde quer que estejam.

nobel

Não há paz sem combate firme e coerente contra a pobreza. Esse é o grito de alerta que a Academia Sueca fez soar, ao atribuir o Nobel da Paz deste ano ao fundador do Grameen Bank e do sistema do micro-crédito. Paz e opção preferencial pelos pobres são inseparáveis. Se a paz é tranquilidade na ordem, só uma ordem que resgate a dignidade de cada pobre e traga à tona a sua capacidade de ser plenamente sujeito do seu destino será suporte da paz verdadeira. Bem-aventurado seja quem nos lembra isto.

o governo da humanidade

Anuncia-se um novo Secretário-Geral da ONU. Entre a ingenuidade e o cinismo, este é um momento privilegiado para reflectirmos sobre os caminhos por onde passa hoje o bem comum da humanidade, sobre a actualidade do imperativo da solução pacífica dos conflitos, sobre o que resta do dever de respeito pelos direitos dos povos. O novo Secretário-Geral das Nações Unidas não nos trará a renovação da humanidade. Mas a sua eleição desafia-nos a pensarmo-nos como membros iguais da família humana.

daqui

240 km3 de gelo a menos no Pólo Sul. Uma fractura do tamanho das ilhas britânicas nessas massas polares imensas. A maior perda de sempre de ozono sobre o Pólo Sul. Definitivamente, os sinais de catástrofe vêm de longe. Pura ilusão. É aqui, nas nossas casas e nas nossas ruas que o desastre anunciado começa. Todos somos responsáveis por todos, escreveu João Paulo II. Tinha razão.

ponte

Em Lisboa, centenas de cientistas sociais reuniram na semana passada para debater as migrações internacionais. O símbolo da conferência era uma ponte. Num tempo em que se constroi um gigantesco muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México, outro entre Israel e a Palestina e outr ainda - que, não sendo físico, não é menos muro - entre a Europa e a África, a ponte não é um símbolo. É um chamamento.

a imagem e a substância

"Creio que se deveria corrigir a imagem segundo a qual semeamos à nossa volta rígidos 'nãos'." A afirmação poderia ser de um consultor de marketing acerca da imagem do governo. Ou de um gestor cuja empresa está a braços com drásticos cortes orçamentais. Mas foi do Papa. A propósito do cristianismo. A Igreja não é o guardião sisudo de um código moral datado. É a comunidade dos que confiam num Deus que é pai carinhoso. Que só proíbe o que é desamor.

ser próximo

Ele disse-me que chegou a pensar em suicidar-se. Longe das suas raízes e dos seus afectos, não conseguia corresponder aos nossos padrões de exigência, por mais que se esforçasse. Trabalhar a um ritmo desumano não produzia resultados. E a vertigem da desistência - do trabalho e da vida - adensou-se. Agora já passou. Ninguém vai saber. Mas é precisamente isso que me angustia. Ser próximo é o quê?

a verdade da mentira

A mentira banalizou-se entre nós. Na política, nos negócios e no resto. Fazem-se guerras invocando mentiras. Ganham-se eleições mascarando o verdadeiro programa. Constroem-se fortunas mentindo ao fisco. Disputa-se um lugar na carreira insinuando inverdades. "Que as vossas palavras sejam sim sim, não não", adverte o Evangelho. Sem olhar a custos nem a benefícios, lê-se nas entrelinhas. No meio de tantas propostas de choques revitalizadores, o choque da verdade fica esquecido. Mesmo nas comunidades cristãs.