Monday, January 30, 2006

bom sinal

"A justiça é o objectivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de toda a política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objectivo estão precisamente na justiça." Estas palavras da primeira Encíclica de Bento XVI são um puxão de orelhas à preguiça de muitos crentes que propagam a mensagem fácil de que a política é um domínio de podridão. O Papa, ao contrário da falta de rigor dominante, vê na política um campo de projecção do melhor que há na humanidade. E traça uma fronteira clara entre a boa e a má política: nem a eficiência, nem o sucesso pessoal, nem a popularidade, mas a justiça.

Friday, January 27, 2006

a besta

A espiral da guerra não pára. A lógica do "olho por olho, dente por dente" domina até à loucura. Os últimos desenvolvimentos, vindos do Irão, da Coreia ou de França, situam-nos no limite do imaginável. Os senhores do mundo anunciam que a arma nuclear será usada para fazer justiça ou contra-justiça. Definitivamente, este é o tempo do viva la muerte global. Há uma grande mobilização das consciências a fazer, contra a guerra e contra a facilidade da violência. Em nome da dignidade. Em nome da criação.

Wednesday, January 25, 2006

dom quixote

Quixotismo é defeito, dizem-nos. Com boas intenções de fundo mas sem o sentido da realidade não se vai longe. E combater moinhos de vento é uma ridícula perda de tempo. Quem assim pensa esquece que a luta contra o racismo começou por ser quixotesca, que o combate pela igualdade entre homens e mulheres foi visto como quixotismo e que a defesa do ambiente, dos direitos humanos ou da diversidade das culturas foram acusadas de serem lutas contra moinhos de vento. Quixotismo só é defeito para o realismo resignado. Que nem a bondade de Sancho Pança consegue ter.

Monday, January 23, 2006

casting

Os cinco minutos em que vão exibir um sorriso de plástico ou debitar trinados de karaoke tornaram-se o centro da vida para cada vez mais jovens. O casting passou a ser um modelo de vida. Não se treinam competências de carácter ou de firmeza. O que importa é a adaptação de circunstância a bonecos sem alma. É aí que se ganha a glória fácil. A humanidade densa, essa passou a ser um erro de casting...

Friday, January 20, 2006

a escolha

No domingo há escolhas a fazer. Entre políticas, entre estilos, entre propostas. Mas sobretudo entre atitudes. Não tanto dos candidatos mas sobretudo de cada um e cada uma de nós: entre a superficialidade da paixão clubística, qualquer que ela seja, e a genuína disponibilidade para uma contínua luta pelo bem comum. Essa é a escolha mais exigente. Porque, nessa escolha, é cada um de nós que é avaliado. A partir de segunda feira, é essa escolha entre o repouso confortável e a desinstalação disponível que se atravessará no nosso caminho a todo o instante.

Wednesday, January 18, 2006

elogio da política

A campanha eleitoral passa na rua com fanfarra, bandeiras e um pelotão de jornalistas. O candidato distribui abraços e beijos. E ouve os desabafos, às vezes misturados com lágrimas de impotência e revolta. Esse afecto, essa atenção, consolam por momentos gente sem fim. A campanha eleitoral talvez não sirva para esclarecer eleitores nem para debater com rigor as políticas. Mas, ainda que por interesse e com grande superficialidade, é um tempo em que a solidão de muitos é quebrada por gestos de cuidado e de carinho. Isso é bom.

Monday, January 16, 2006

distracção

Ontem, dia de assembleia dos cristãos, oito páginas inteiras de um jornal de grande difusão gritaram que o fosso entre ricos e pobres em Portugal não pára de aumentar. Não consta que o assunto tenha merecido homilias ou orações penitenciais. Enquanto for assim, os cristãos passarão ao lado do essencial. E pecarão, colectivamente, contra os homens e contra Deus.

Friday, January 13, 2006

sinais

Cláudio vive desde sempre na favela de Cantagalo, no Rio de Janeiro. O narcotráfico e a violência armada são seus vizinhos quotidianos. Mas Cláudio escolheu ser a alma do “Balcão de Direitos”, um centro de acolhimento de denúncias de violações de direitos humanos e de mediação e resolução pacífica de conflitos naquela favela. Cláudio diz que ser cristão é o fundamento desta sua opção. Mas não precisava de o dizer. Bastava que atentássemos no carinho com que o tratam as crianças da favela e na dedicação apaixonada que ele tem pela vida da comunidade. São sinais de uma fé e de uma esperança muito grandes. Daquelas que dá vontade de seguir.

Wednesday, January 11, 2006

o milagre

À vista do candidato às eleições, aquela mulher velha e doente pediu nada menos que um milagre. Ele é conhecido, é doutor, aparece na televisão, diz para onde deve ir o país – não pode ele operar o milagre que a mulher espera? Ninguém lhe perguntou mas, talvez porque o encontro se deu à porta de um hospital, houve quem adivinhasse que ela pedia o milagre da cura. Ou talvez nem tanto. Talvez apenas o milagre de uma pensão de reforma que permita pagar os medicamentos. Não sei, ninguém saberá. Mas o sorriso daquela mulher quando a comitiva eleitoral saiu de cena fez-me pensar que era ainda mais simples o milagre que ela pedia: que alguém a ouvisse com atenção e cuidado. Só isso. Para ela, o maior dos milagres.

Monday, January 09, 2006

acção de formação

Para a maioria dos cristãos, o Deus menino da manjedoura torna-se homem adulto de repente. Fica-nos muito pouco tempo para pensar Deus a partir da sua fragilidade e marginalidade originais. O desconhecimento geral do Jesus histórico resolve-se com estudo. O que o estudo dificilmente esgotará é a resposta a uma interrogação fundamental: que conversas, que testemunhos, que lealdades e que choques ajudaram a formar Jesus de Nazaré para o adulto que ele foi? Não é uma diletante curiosidade histórica. É antes um conhecimento perturbador, que nos arranca das nossas certezas para nos confrontar com a dimensão das nossas responsabilidades para com cada um dos outros à nossa volta.

Friday, January 06, 2006

os reis

Nas nossas sociedades seculares, poderia até ser perversa a publicitação da adoração de Jesus por um presidente. A publicidade dos gestos religiosos dos políticos é quase sempre politicamente intencionada. E isso basta para a repudiar. Apesar disso, celebrar o Dia de Reis faz todo o sentido nas nossas sociedades saudavelmente respeitadoras da autonomia entre o religioso e o político. Sentido duplo, aliás. Por um lado, para recordar que o poder, mesmo quando legitimado pelo povo, nunca é absoluto. Por outro, para vincar que esse limite é, sempre, o da obrigação de amar os mais frágeis e de o traduzir em políticas concretas. Não pode ser outro o conteúdo actual dos vasos de ouro, incenso e mirra que os reis do nosso tempo queiram oferecer ao menino. Sem publicidade, mas com coragem e com discernimento.

Wednesday, January 04, 2006

um ano, muitos anos

Há um ano, o mundo viu, atónito, somarem-se centenas de milhar de mortos e uma destruição imensa em resultado do maremoto no Índico. Logo depois, o mundo viu mobilizar-se a solidariedade em dinheiro, em géneros, em disponibilidade para ajudar. Passado um ano, o mundo continua a não ver combatida a pobreza em que vivia a grande maioria das vítimas. Passado um ano, o mundo continua a não ver mobilizarem-se meios para prevenir consequências tão horríveis no futuro. Passarão muitos anos até que possamos afirmar que aprendemos a lição.

Monday, January 02, 2006

começar de novo

Um novo começo. Precisamos sempre de um novo começo para as nossas vidas. A Igreja propôs-nos ontem que esse novo começo tivesse a marca da paz. É pois mais, muito mais que um normal ritual de renovação. É o reiterar de que só há um novo começo se houver nova exigência. E um corte radical com o facilitismo da violência e do desamor.