Monday, February 28, 2005

cinema paraíso

Pois, são certamente apenas mais uma peça da indústria capitalista de Hollywood. Passam ao lado do que não se revê nos cânones estéticos do cinema norte-americano e servem, por isso, uma estratégia impiedosa de selecção do que vale e do que não vale. Mas, em cada ano que passa, os Óscares lembram-me que, na maravilha das imagens em movimento, se pode projectar o mais denso da condição humana. Olhando pelo olhar de tantos mestres, aprendi a ver a alma humana em sofrimento ou em júbilo no écran de um cinema. E pergunto-me por que é que esta arte, como outras, é tão desconsiderada pelos cristãos…

Friday, February 25, 2005

diferentes

Qual é o tamanho das nossas divergências? No rescaldo da campanha eleitoral, fica a impressão de que se é preso por ter cão e preso por não ter. Se trazemos para a praça pública assuntos que nos dividem, logo vem a acusação de que se está a fracturar o que devia estar unido. Se sublinhamos o que nos aproxima, logo vem a acusação de que somos todos iguais e não há alternativas verdadeiras. Uma acusação e a outra são quase sempre disfarces para a soberba do nosso auto-convencimento. E para a comodidade de quem desiste de contribuir para o bem comum com a força e a clareza das suas particularidades.

Thursday, February 24, 2005

let it be?

Passou o tempo das propostas e das promessas. Agora vem o desfiar das contas frias e dos avisos de impossibilidade de chegar muito além do que está. A contenção, o realismo, o sentido da responsabilidade vão ser tão agigantados como o foram até há uma semana a ousadia e a urgência de mudar. E, no meio desta súbita inversão de vistas, que voz têm os cristãos? Que solidez tem o seu projecto de mudança? Que caminhos concretos dão à esperança?

Monday, February 21, 2005

as urnas e a vida

Ontem houve festa e houve abatimento. Os vitoriosos celebraram o reconhecimento das suas razões e os derrotados choraram a incompreensão. O pior de tudo, porém, foi o alheamento de tanta gente. Tanto à alegria de uns como à tristeza dos outros. Gente que se tornou totalmente descrente na possibilidade de a vida mudar e tomar um rumo esperançoso. Gente, muita gente, que passou a assumir a vida como um exercício de navegação à vista sempre apontada a pior e a mais sacrifícios. Não sei se os vitoriosos de ontem saberão devolver a esperança a essa gente. Deus queira que sim. Mas, mais do que isso, pergunto-me o que fazem os homens e as mulheres de fé diante de tanta descrença na vida.

Saturday, February 19, 2005

os votos católicos

Não é uma eleição para o serviço da comunidade cristã a que vai ter lugar amanhã. É a comunidade mais vasta de cidadãos que elege os seus representantes. Os cristãos não são uma corrente de opinião nem constituem um grupo de pressão organizado dentro da sociedade. Felizmente, o pluralismo também atravessa a comunidade dos crentes. E é bom, imensamente bom, que haja compreensões contrastantes do bem comum dentro da Igreja. Porque o que identifica os cristãos não é uma doutrina mas um estilo de vida.

Wednesday, February 16, 2005

sempre!

Por estes dias, o feirante pobre, o deficiente, a mulher maltratada, a prostituta, são apetecidos por quem manda. Não, não são as obras nas estradas nem o pagamento de subsídios atrasados o que de melhor têm as eleições. É o reconhecimento da importância de cada homem e de cada mulher. É por mero oportunismo? Talvez. Mas é a prova de que basta querer para que a dignidade de todos seja um princípio sem fim.

Monday, February 14, 2005

tentações

A Quaresma é o tempo de tomada de consciência das imperfeições humanas. Nada é igual à glória de Deus e a realidade humana, em última análise, desfazer-se-á toda em pó. Não há leis cristãmente perfeitas, não há instituições, nem partidos, nem movimentos, nem mesmo hierarquias eclesiais cristãmente perfeitas. Só há aproximações, sempre imperfeitas, ao testemunho de vida de Jesus de Nazaré. A tentação de criar uma espécie de Guiness do cristianismo, uma espécie de tabela dos cristãmente perfeitos é própria de quem vive mergulhado em inseguranças. E é um pecado. Contra a liberdade dos homens e contra o sentido de humildade que a Quaresma anuncia.

Friday, February 11, 2005

roxo

O roxo da Quaresma serviu, durante séculos, para penalizar a irreverência e a subversão do riso. Temos hoje o dever de resgatar o sentido originário do roxo: o de penitência e arrependimento. Diante do contraste grotesco entre riqueza e pobreza, diante do caminho imparável para a catástrofe ambiental, diante das violações institucionalizadas dos direitos humanos, esse roxo do arrependimento é a única cor da decência e da sensatez.

Wednesday, February 09, 2005

pedagogia em pó

E em pó nos havemos de tornar. O tempo que começa nesta quarta-feira pode ser entendido como um convite ao miserabilismo e à depressão. Como uma espécie de vingança tardia da alegria e da festa dos últimos dias. Essa foi a leitura míope que os poderes sisudos fizeram da História. Passaram ao lado do essencial. E o essencial teria sido a pedagogia dos nossos limites. Mas isso é coisa que os poderes, todos os poderes, olham com medo.

Friday, February 04, 2005

frente fria

Correm os dias e a tragédia da seca penetra mais fundo nos sulcos da terra. Organizam-se preces para que Deus mande chuva. Delas se riem os fiéis da ciência. Deus não sopra nas massas de ar nem faz mexer os anticiclones. Mas Deus está lá, nesse lugar indizível, para onde convergem as aflições daqueles a quem os homens e o seu conhecimento não dão amparo. Tarda a combinação entre os átomos de oxigénio e de hidrogénio para formar a molécula de água. Tarda ainda mais o coração de quem sabe a acolher as fragilidades de quem nada pode.

Wednesday, February 02, 2005

teologia do riso

“Eles falam, falam, falam, falam…”. Agora é o tempo desta frase. Para, a brincar, darmos conta de quantas vezes criticamos por criticar. Para mostrar que a maledicência e a sisudez são doenças incuráveis de quem não se consegue apaixonar pela vida. O melhor humor é aquele que castiga as nossas limitações e põe a nu as nossas falsidades e, com isso, nos faz acreditar ainda mais em que tudo pode ser diferente. O humor é irmão da fé.