boomerang

Quando se confunde laicização do Estado com privação da identidade das gentes, o resultado é, a prazo, a fragilização das políticas de separação entre o temporal e o espiritual e o reforço das alas mais conservadoras do campo religioso-identitário. Banir a presença do religioso no espaço público - seja por crucifixos ou por minaretes - é um boomerang.

o belo divino

Reunir Nanni Moretti, Santiago Calatrava, Peter Greenaway, Claudio Magris, Arvo Pärt e Tolentino Mendonça é prova de muito bom gosto e de ambição. Fê-lo Bento XVI ontem, na Capela Sistina. E fez bem. Porque se trata de relançar a relação da Igreja com a arte, diz o Papa. Contra o anátema e contra o pindérico, acrescento eu. Tolentino Mendonça diz que "o espiritual não vive sem a sonoridade da beleza e há um desejo grande da Igreja em começar uma nova etapa". Deus o oiça.

aqui

Cinquenta anos depois de aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança e vinte anos volvidos sobre a adopção da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, há em Portugal leis que abrem o flanco ao trabalho infantil e um senso comum que o naturaliza. Não, não é "lá fora" que os direitos das crianças são esquecidos - é aqui.

efémero

O que ontem era absoluto - aquela avaliação, as taxas moderadoras - tornou-se subitamente dispensável e até nocivo. Este império do efémero na política, esta política bipolar (tão depressa é "determinada" e "feroz" como logo passa a apaziguadora e compreensiva) descredibiliza-se num instante. Tão preocupados com a suposta hegemonia das "forças ateizantes", os bispos podiam ter uma palavrinha - por breve que fosse... - sobre o mal causado pelas "forças descredibilizantes". Será pedir demais?

posses

"Como quem busca água
fria e sonora
no poço atrás da casa,
possuir apenas o essencial,
possuir
não o pássaro, mas o seu vôo,
não os peixes,
mas o rumo do rio.
E tudo pode ser
felicidade e entrega"

Roseana Murray

ser ou não ser

Pronto, voltou o disparate. Afirmar que quem defende o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não é católico é duplamente atentatório do bom senso. Primeiro porque confunde o contrato do casamento com o sacramento do matrimónio. Depois porque reduz a condição de católico ao alinhamento por uma doutrina oficial, tão temporária e frágil como qualquer outra doutrina oficial. Lamento muito informar os guardiões da ortodoxia: não me conseguem excluir por via administrativa. Nem a mim nem a quem tenha a santa ingenuidade de achar que ser católico é acima de tudo ter um estilo de vida e não obedecer a um catálogo de regras.

montras

Quando não calar as razões da esperança dá azo a que se seja visto como mero exemplar raro, digno de figurar nas vitrines de exotismos para consumo mediático, valerá o silêncio? Eu sei que o escândalo é imagem de marca dos cristãos mais incómodos. Mas a fronteira entre o escândalo e a frivolidade de magazine nem sempre é clara...

muros

Berlim, pois claro. Para enaltecer a liberdade, o movimento, os fluxos. Mas e Gaza? E Ceuta e Melilla? E o México? E o Rio de Janeiro? A agenda do esquecimento é a que mais sobressai sempre que há festas...