contas

"E quanto é que custa afinal a falta de amanhã?", perguntou-se ontem. Há contas sérias a fazer sobre o fenómeno das armas ligeiras. No deve como no haver. Qual é a real dimensão dos ganhos contabilísticos? Quais são os custos efectivos? O que se inclui: só os mortos? os gastos hospitalares? a perda de valores sociais básicos? E quantas vítimas são contabilizadas? Só as directas ? todas as que ficam com a sua vida e as suas relações sociais desestruturadas? Quais são as contas, afinal?

cimeira

Anda por aí uma grande controvérsia sobre quem deve ter assento na cimeira do G20 que vai procurar solução para a crise financeira internacional (não será por falta de cimeiras que as soluções faltarão...). A discussão é acesa sobre se todas as economias mais ricas devem ou não participar. Alguém toma o partido dos pobres e exige a sua participação na cimeira? O Vaticano, por exemplo...

roncalli

Quando lhe perguntaram como queria a tiara para a sua coroação papal, respondeu que com metade das jóias que costumavam ter e que o preço da outra metade fosse distribuído pelos pobres. Faz amanhã 50 anos. João foi o nome que escolheu, sorrindo ao lembrar que talvez o tivessem eleito por saberem que todos os anteriores papas com esse nome tinham tido um pontificado curto... Cresci testemunhando o entusiasmo e o orgulho dos meus pais por terem um papa assim. A Igreja e o mundo precisam de voltar a ter um tal contentamento.

reflexões maoistas

Em Macau, por estes dias, há quem tenha a ousadia de propor que se pense em salário mínimo. Atrevimento é a palavra certa para essa proposta. Naquele lado do mundo, lutar pelos direitos fundamentais é hoje a maior das revoluções culturais. E concretizá-los será um grande salto em frente.

oriente

Nestes dias de desnorte bolsista, a esperança não vem do oriente. Lá, mais ainda do que cá, são os tempos do capitalismo selvagem que mostram a dimensão imensa do seu mal. Os herdeiros de Charles Dickens e de Mao Tse-Tung têm hoje sonhos comuns. E o sonho deles comanda a vida. De muitos milhões de pessoas.

racionalidades

Da chamada "crise financeira internacional" mostram-nos os ganhadores que perdem e que "é preciso" salvar. Ainda não nos mostraram os que são suas vítimas irredimíveis. Esses são os que são dados a "comportamentos irracionais" como reclamar as suas poupanças ou pensões. Acalmêmo-los, portanto, porque the show must go on. Diante da imoralidade imensa desta crise e das políticas adoptadas para a arrefecer, alguém ainda terá a desfaçatez de chamar moralistas aos que clamam por outra realidade?

para trás

Perguntaram ao menino qual era o seu principal direito como criança. E ele disse: "é o direito de andar para trás". Os adultos, responsáveis e bem comportados, riem-se da criancinha que não sabe, bem se vê, o que são direitos humanos e que os confunde com trivialidades poéticas. Pobres adultos que ainda não perceberam que os direitos humanos verdadeiros nasceram sempre de impulsos de desobediência... E que a poesia, mesmo a trivial, subverte sempre a realidade da normalidade ordeira.

o trono ou a sabedoria

Martini, cardeal, vive hoje retirado em Jerusalém. É agudamentemente sábio e tranquilamente desafiador: «A Igreja - escreve - falou muito do pecado. Ela pode aprender com Jesus que é melhor dar ânimo.» E acrescenta: «Não se pode tornar Deus católico. Deus está para além dos limites e das delimitações que lhe pomos.» Percebe-se melhor agora porque é que estavam errados os que faziam dele um candidato ao trono do Vaticano.

entretem-te meu filho, entretem-te...

O que mais há são propostas de espiritualidade anti-stress. Têm secção autónoma nas livrarias e são vizinhas de Paulo Coelho nas estações de serviço. O êxtase histérico e o folclore festivo dão-lhes voz nas igrejas. Essas espiritualidades de fuga arrancam de uma convicção: de que não são os problemas que são problemáticos, mas sim a ansiedade com que reagimos a eles. Keep cool, portanto, e serás feliz. A injustiça, a indecência, a exploração, a indignidade, essas ficam pra depois. Ou como se disse em tempos: "piramiza, filho, piramiza..."

nobel

É muito mais consensual o repúdio da guerra do que a feitura da paz. Martii Ahtisaari, há pouco anunciado como Nobel da Paz, será um caso óbvio de controvérsia. Não se perdoará ao júri que tenha ignorado a responsabilidade do finlandês na turbulência do Kosovo. Mas talvez fique só para a História a chamada de atenção do mundo para a mediação de conflitos tidos como irresolúveis. A mais injusta das pazes é preferível à mais justa das guerras?

coisas simples

Começou o Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus. Esperam-se propostas arrojadas para recentrar a comunidade católica sobre o essencial da condição crente. Espera-se atenção ao concreto das vidas e não um exercício florentino sobre coisas etéreas. Coisas simples como esta: em África, uma Bíblia pode custar o salário de um mês. A revelação foi feita pelo arcebispo nigeriano John Olorunfemi Onaiyekan, ilustrando um quadro da evangelização no continente africano. Definitivamente a "nova evangelização" (whatever this is...) quando nasce não é para todos...

eyes wide open

A mística pode ser uma fuga ou pode ser um fogo. Para Johann Baptist Metz é necessário «que os cristãos tomem consciência de que têm algo a dar ao mundo de hoje. A política guiada pela ideia da compaixão é diferente da dirigida pela economia e pela técnica». Daí que defenda «um misticismo de olhos abertos». É que «todos temos responsabilidade por outros sofrerem». É essa mística - que só transcende a vida porque é preciso a ela voltar - que nos faz falta.

escolhas

Um bispo para os grupos mais marginalizados na sociedade e na Igreja - os ciganos, as prostitutas, os/as homossexuais. Um gesto louco? Não, um gesto de alto alcance pastoral. Por que não pode a Igreja ter este gesto e pode antes manter um bispo das forças armadas?

bem comum

Com os holofotes centrados na salvação dos banqueiros e dos especuladores institucionais, o sistema desvairado que agora colapsou não escapa, apesar de tudo, a ser denunciado nas suas maiores perversões. Fê-lo ontem no Chile o Cardeal Martino, Presidente da Comissão Pontifícia Justiça e Paz: «O direito à água é um direito humano fundamental, é parte do direito à vida, que é composto de vários direitos, como o direito à alimentação, ao trabalho, à água. Por isso, a água não pode ser um elemento que se privatize, tem de estar à disposição de todos». Assim seja.