fidelidade

"Tudo tem o seu preço", ouvimos dizer. Este é o tempo em que tudo é descartável, dos produtos às ideias, às amizades ou às convicções. Por isso causa tanta estranheza que alguem celebre bodas de prata. Muito mais do que uma suposta crise da família, é uma crise profunda de projectos que está aí. A fidelidade - às pessoas, aos princípios, às relações - precisa de ser reaprendida como pilar da vida.

europa

A Igreja começa bem a presidência portuguesa da União Europeia. Foi inaugurada na paróquia da Amora a primeira igreja de toda a Europa dedicada a João Batista Scalabrini, defensor dos imigrantes. Numa Europa cada vez mais rendida aos encantos da competição e às estratégias culturais da xenofobia, a Igreja diz com clareza de que lado está. A matriz cristã da Europa vê-se muito mais em gestos destes do que em qualquer proclamação solene ou letra de lei.

moto-fé

Faz algum sentido que o Papa se tenha pronunciado sobre a condução automóvel? Faz. Ao volante exprimimos muito do que somos e do que não somos em termos de solidariedade ou de individualismo, de paz ou de violência, de serviço ou de poder. É talvez mais no interior de um carro do que no interior de uma igreja que testamos a coerência da nossa condição de cristãos.

desaprender

Temos que esquecer tudo o que sabemos sobre os princípios da normalidade social. À ditadura do sucesso urge opor o cuidado com os excluídos, com os marginalizados, com os oprimidos. Não se trata de uma concessão lamechas aos pobrezinhos mas da luta por novos padrões de vida para todos. Temos que aprender a não achar normal uma sociedade que exclui as pessoas e espezinha a sua dignidade.

traço

No nosso país, contam-se pelos dedos os templos cristãos recentes com qualidade arquitectónica. E contam-se pelos dedos aqueles que, lá dentro, acolhem música de qualidade nas suas liturgias ou pintura de qualidade nas suas imagens. Noutros tempos, o louvor a Deus exprimiu-se no sublime da arte e da arquitectura. Que a falta de gosto predomine nas casas de Deus deste tempo é um sinal e também um desafio.

paz negativa

O contrário da paz não é a guerra. São as violências. Há muita paz violenta por aí. Nas mulheres agredidas, nas coisas 'só para homens de barba rija', no amontoado de betão dos subúrbios, no número crescente de sem-abrigo e de velhos abandonados, a paz é retórica pura. Os alicerces da guerra são fundos. É sobre eles que edificamos muita da nossa tranquila existência quotidiana.

próximo

Ser administrador do condomínio talvez seja mais difícil do que ser director-geral. Porque a proximidade tira-nos todas as máscaras e não nos permite o alibi do anonimato. É claro que ser-se próximo é uma opção e não uma condição física. E, por isso, o amor cristão é, por definição, sem lugar nem fronteiras. Mas a relação entre vizinhos é um teste difícil à consistência do amor ao próximo. Porque não admite nenhum disfarce.

santos populares

Nem academismo ininteligível, nem austeridade sisuda. No cristianismo, a solenidade do sagrado dá as mãos à festa e às lágrimas do povo. É na rua, a beber, a dançar e a brincar que o povo celebra os santos populares. Um manjerico de Santo António ou um alho porro de São João desmentem todos os que condenam o cristianismo a ser triste.

cadeias

Há escravos no nosso tempo. Em sentido literal e não apenas figurado. Gente privada dos direitos mais básicos e amarrada, com cadeias inquebráveis, a um trabalho bárbaro e sobre-explorado. A falta de escrúpulo de alguns é apenas uma explicação de superfície. Cada pessoa escrava - como cada criança que trabalha - é o rosto de uma cultura mais vasta: aquela que vê o trabalho como uma mercadoria. Barata e sem direitos, de preferência.

exame de consciência

Não se lerá o relatório anual da Amnistia Internacional nas sessões de catequese, nem porventura a ele haverá referência nas homilias. Mas, num tempo em que se perdeu a noção do que quer dizer 'exame de consciência', essa leitura devia fazer parte das prioridades dos cristãos. Para terminar de vez com o alibi de não conhecermos como são espezinhados os direitos humanos em todo o mundo. E para, com sincero arrependimento, nos convertermos.

corpos

A dicotomia entre a alma como trincheira da pureza e o corpo como campo do pecado é uma velha armadilha em que muito cristianismo caíu. É pelos gestos concretos do nosso corpo e não por etéreos pensamentos que traremos a felicidade ou a infelicidade aos outros. Os nossos corpos são partes do Corpo de Deus.

ajudar

O alargamento do fosso entre países ricos e países pobres é o rosto institucionalizado da indignidade. Os números deste pecado, de tão conhecidos, tornam-se triviais. E esse é pecado dobrado. Mas esse não é o pior dos males. A ajuda ao desenvolvimento para travar o risco da revolta dos pobres e não para lhes dar poder, para evitar que nos perturbem e não para lhes devolver a dignidade, essa é a mais funda das hipocrisias. Porque tem boa consciência de si mesma.

tantos

Não, a diferença não é um defeito que há-de passar. Nem a unidade é um rolo compressor. Deus, diante da torre de Babel, decidiu confundir a estratégia da unicidade ambiciosa e espalhar os homens pela terra, diversificando-lhes as línguas, os hábitos e as vidas. Este Deus preza tanto a oração pela unidade na diversidade dos cristãos, como a oração pela diversidade na unidade dos cristãos.