Thursday, January 31, 2008

riscos e perigos

Lembra Juan Masiá (aqui) que coabitam na Igreja uma confiança destemida, vocacionada para afrontar riscos, e um pessimismo defensivo apostado em evitar perigos. E conta: "Dizia, com certo medo, Paulo VI ao Padre Arrupe: 'Continuem na primeira linha a afrontar riscos, mas evitem passar para o inimigo'. E o Padre Arrupe interpretava com optimismo e com esperança: 'O Papa disse-nos para termos o cuidado de não nos passarmos para o inimigo mas que nos deixemos estar na primeira linha afrontando riscos". E conclui: "Hoje, em 2008, são outros e maiores os riscos. Confiemos em poder afrontá-los com esperança e fidelidade criativas". Amen.

Wednesday, January 30, 2008

choque eclesiológico

"Guarda do depósito da palavra divina, onde se vão buscar os princípios da ordem religiosa e moral, a Igreja, embora nem sempre tenha uma resposta já pronta para cada uma destas perguntas, deseja, no entanto, juntar a luz da revelação à competência de todos os homens, para que assim receba luz o caminho recentemente empreendido pela humanidade" (Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo contemporâneo, adoptada em 7.12.1965). É só a Igreja portuguesa que precisa de mudar o estilo de organização e a mentalidade dos seus membros para se pôr ao ritmo do Concílio Vaticano II?

Monday, January 28, 2008

meias verdades

"Não é a ciência que redime o homem", escreveu Bento XVI. Pois não. A promessa de emancipação trazida pela ciência encalhou em Hiroshima e em várias perversões posteriores. Infelizmente, o mesmo se pode dizer da mensagem cristã: também ela encalhou nas várias inquisições e integrismos. A ciência histórica, como a fé histórica, têm telhados de vidro. No esconde-esconde entre os fundamentalismos de cada um dos lados, é sempre a emancipação dos homens e das mulheres que fica hipotecada.

Friday, January 25, 2008

ouvir

A Igreja deve falar de Deus e não de si, advertiu o Papa. Fez bem. Mas esqueceu-se de acrescentar que a Igreja deve ouvir os homens e as mulheres e não a si mesma. O povo da sacristia não é o mundo. E a vida dos homens e das mulheres não é um eco passivo de uma doutrina. A Igreja, perita em humanidade, ouve para aprender. E não fala apenas.

Wednesday, January 23, 2008

o que faz falta

O pecado não é uma infracção a uma tabela gerida administrativamente, é uma violação grave da consciência colectiva fundamental da comunidade. Causa, por isso, arrepios que a corrupção ou a fuga aos impostos não sejam experimentadas como pecados a sério nas nossas comunidades, mas sim como habilidades dignas de admiração. A pedagogia do arrependimento e da conversão é muito mais urgente do que o formalismo da confissão individual.

Monday, January 21, 2008

pensamento

O pensamento social da Igreja foi sendo feito em momentos de crise, na iminência de rupturas violentas. Nas encíclicas, nos registos das "semanas sociais" e nas obras de teólogos/as, foi essa urgência de conversão e de mudança que se foi exprimindo. A centralidade dos pobres foi o princípio inabalável, suporte às vezes de compromissos, outras vezes de rupturas. Também nisto a Igreja portuguesa tem sido periférica, acolhendo passivamente a reflexão que se produz no seu exterior. Diante da polémica sobre os serviços públicos e o Estado social, é exigível que esta Igreja local produza pensamento denso sobre a relação entre a condição crente e a crise social. Sob pena de confirmar, confrangedoramente, a sua menoridade intelectual.

Friday, January 18, 2008

por que te callas? (i)

Os médicos católicos não têm nada a dizer sobre o debate em curso na sociedade portuguesa sobre o serviço nacional de saúde? A deontologia do exercício privado ocupa todo o seu espaço de reflexão e de pronunciamento público? E a defesa de políticas que dêem materialidade à saúde como bem público não deveria ser uma referência central do discurso cristão sobre este tema? E a Conferência Episcopal, partilha desta moral de consultório privado?

Wednesday, January 16, 2008

sentido

A muitos arrepia um Estado eclesial. A Santa Sé é um resíduo de um tempo de assumido poder temporal e territorial da Igreja. Só faz sentido se for suporte de uma acção que marque o contraste com o comportamento comum dos Estados. Seria esperável (exigível?), por exemplo, que a Santa Sé fosse o mais militante dos Estados em favor da Aliança das Civilizações. Como seria esperável (exigível?) que a Santa Sé fosse o mais empenhado dos Estados no combate contra as relações comerciais desiguais ou o comércio de armas. Por que é que não é? Por que é que retira o sentido a si própria?

Monday, January 14, 2008

aliança

No meio das notícias “realistas” sobre guerras anunciadas e outras tantas perpetuadas, aparece uma coisa estranha: estadistas reúnem esta semana em Madrid para promover uma aliança de civilizações. As críticas de angelismo e de utopismo descabelado vêm a seguir. Espero ver rapidamente notícias sobre o entusiasmo que a proposta provoque nas igrejas. Espero ver rapidamente sinais de compreensão de que a promessa ecuménica se materializa nessa aliança. Ou nunca será senão discurso vazio.

Friday, January 11, 2008

vocação (iii)

Agora aos setenta e tal como antes aos dezoito, aquele homem não consegue deixar de se indignar com a marginalização da mulher desempregada ou com o desprezo pelo doente mental profundo. Entregou toda a vida a projectos associativos. A família quere-o mais disponível, a saúde dá sinais de alerta, o rendimento continua no limite do decente. Mas não há volta a dar: quanto menos vai a reuniões e a debates, mais gente a sofrer o mobiliza...

Wednesday, January 09, 2008

vocação (ii)

Antipática a palavra vocação. Sugere que fora de nós alguém nos chama para uma missão que nos é imposta. Como se fossemos meros executantes de planos alheios. A linguagem tradicional da Igreja ajudou a que pensássemos a nossa relação com a vocação como algo marcado pela exterioridade. E assim se criaram mecanismos de surdez colectiva ao chamamento interior de cada um a uma vida renovada...

Monday, January 07, 2008

vocação (i)

Se as nossas comunidades não souberem fazer a pedagogia da centralidade de um projecto de vida na condição crente de cada um(a), não terão nenhuma autoridade para falar de vocações. Enquanto a ideia de projecto de vida não regressar ao centro do nosso processo de maturação, vocação sérá uma palavra do léxico profissional. Jeito, somente. Mas não chamamento a um ideal.

Friday, January 04, 2008

dizer

“É melhor ser cristão sem o dizer do que dizê-lo sem o ser”, escreveu Santo Inácio de Antioquia. Tremenda lição de vida! Tremendo safanão no cristianismo sociológico, feito de estatísticas e de supostas maiorias, que é invocado quando convém aos negócios de poder e de influência. Pelo meio perde-se a humildade do serviço anónimo e a simplicidade desarmante do amor gratuito. Quer dizer, perde-se a maior densidade do cristianismo verdadeiro.

Wednesday, January 02, 2008

novidade

Que vem aí de novo? As nossas sociedades, cansadas do efémero, prometem mais efémero para se manterem entretidas. E, por isso, as antecipações do ano novo soam sempre a mais do mesmo. Bons desejos, claro: paz, saúde, felicidade. Mas muito pouco empenho em mudar a vida. E essa é que é a grande empresa. Feliz ano novo!