Wednesday, October 31, 2007

santos

A procura de provas insofismáveis dos milagres que cada santo praticou roça o ridículo nas nossas sociedades do positivismo científico e do endeusamento da tecnologia. Não é por mágicos que o mundo anseia. É por gente capaz de operar o milagre do despojamento e da mudança da vida.

Monday, October 29, 2007

bifurcação

Uma igreja de mártires? Uma igreja de sofrimento, causado por um mundo pervertido, dominado pelo espírito do mal e hostil por definição à mensagem redentora? Ou uma igreja de gente feliz, entusiasmada com um mundo que surpreende pelo inesperado e que nele dá as mãos a quem trabalha?

Friday, October 26, 2007

campo de batalha

A beatificação de uma parte da memória de uma guerra com o apagamento da outra parte é uma explícita tomada de posição na reescrita desse conflito e da sociedade que se lhe seguiu. E mais do que isso, é a beatificação de um estilo de ser igreja e a condenação de outro. São escolhas indesmentíveis, que dividem e deixam marcas profundas. Que atiram para a margem mais e mais gente.

Wednesday, October 24, 2007

política

Quando é que a Igreja "se mete" em política? Um pároco dos subúrbios de Madrid, comprometido até aos ossos com as gentes pobres do seu bairro, é um "padre vermelho". Um outro padre, também de Madrid, que organiza o dossier de beatificação de clérigos mortos na guerra civil pelos republicanos é apenas "o postulante" do processo. Por que é que, na Igreja, a política só soa a acusação ( a pecado?) quando está à esquerda?

Monday, October 22, 2007

mesa

No início estava uma mesa, à volta da qual os amigos se juntavam para comer e para beber. Nem distância nem hierarquia, apenas reunião e igualdade. Partir o pão, partilhar o vinho e conversar. E fazer desse estar um modo de ser definitivo.

Friday, October 19, 2007

turbulência

Os ventos da Europa estão cruzados. No mesmíssimo dia em que os governos chegaram a acordo sobre como partilhar o poder, um mar de gente veio à rua gritar a sua vontade de não ter menos que uma Europa social. Receio que, por cá, a maioria dos cristãos se feche em casa para se abrigar das correntes de ar. Na esperança de que passem...

Wednesday, October 17, 2007

por medo

Não temos nada a temer senão o nosso medo. É por medo, e por mais nada, que nos acomodamos à ordem do dinheiro, do poder ou da conveniência social. É por medo, e por mais nada, que fugimos dos gestos de mudança e das vozes de denúncia. O discurso defensivo e condenador do mundo, que hoje predomina na Igreja, é o avesso da confiança radical que foi o legado mais perturbador de Jesus. Há nele muita capitulação ao medo.

Monday, October 15, 2007

paz verde

A cor da paz também pode ser verde, pois claro. Porque ela, mais do que concórdia de plástico ou moderação táctica, é enamoramento comum pelo mundo. Os gestos e as vozes que enaltecem o nosso património comum merecem estima de toda a humanidade. Celebremos, pois, o reconhecimento do equilíbrio do ambiente como ingrediente da paz. Mesmo quando há equívocos sérios na identificação dos protagonistas.

Friday, October 12, 2007

novidade

É notícia uma igreja nova. Redonda, branca com jorros de luz. É notícia o desconforto de gente anónima, acostumada aos altares rócócó, aos anjinhos bojudos e à torre sineira como referência. Falta ser notícia uma nova Igreja, feita muito mais gente do que templo.

Wednesday, October 10, 2007

o avesso

O pessimismo cultural é a marca de grande parte do discurso da Igreja hoje. À relação desconfortável com a modernidade segue-se agora a condenação da pós-modernidade, como sendo um tempo de relativismo moral, de perda do sentido da verdade e muito mais. Mas o anátema é o avesso da esperança. E o comportamento defensivo nunca foi o forte de Jesus de Nazaré. Pelo contrário: esse foi o motivo principal da sua crítica aos "homens de pouca fé"...

Monday, October 08, 2007

formação

A formação e a qualificação têm sido pensadas numa lógica individual. Apetrechar cada um para se afirmar na competição económica e laboral - é disso que se trata. Podem os cristãos passar por esta realidade fundamental do nosso tempo sem um juízo claro? Pode a Igreja continuar a silenciar um desafio à sociedade portuguesa no sentido de um investimento estratégico na formação comunitária e na qualificação de colectivos?

Friday, October 05, 2007

alibi

O melhor alibi para não atingirmos os mínimos é contrapor-lhes a aspiração aos máximos. A fantasia destes vai disfarçando o permanente adiamento da obtenção daqueles. Dizer que a democracia não é necessária na Igreja porque aspiramos a muito mais do que isso, ao amor e à fraternidade universais, tem sido um puro alibi para branqueamento de práticas autoritárias e de uma estruturação hierárquica anacrónica. Assobiam para o ar, satisfeitos, os alimentadores do alibi enquanto o choque da democracia tarda em chegar à nossa condição eclesial.

Wednesday, October 03, 2007

caridade empresarial

No trabalho social da Igreja, a fronteira entre o serviço e a empresarialização esbate-se vezes demais. O queixume de vozes da Igreja sobre o desempenho do Estado neste campo não é diferente do discurso dos empresários comuns: crítica do Estado a menos quando escasseiam os subsídios, crítica do Estado a mais quando a ambição de crescer é travada. Não há economicismo cristão. Há economicismo. O cristianismo, feito de caridade e de serviço genuínos, pára sempre à sua porta.

Monday, October 01, 2007

silêncios

"O que me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem carácter, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons". Esta angústia de Martin Luther King devia ser a nossa angústia. O que mais nos deve preocupar é o acomodamento de tanta gente, adormecida ao som da música celestial da injustiça institucionalizada. O que mais nos deve preocupar é a montanha de silêncios cúmplices. Porque ela rouba voz aos injustiçados. Sempre por motivos "razoáveis".