Friday, August 31, 2007

revisão da vida

Agora que acabam as férias fica a sensação sempre amarga que a vida podia ser outra coisa. Que devia haver mais espaço para o cuidado dos outros e de nós próprios. Que faz falta o convívio com gente amiga, que a bênção da natureza, da poesia ou do silêncio nos deviam acompanhar mais vezes. As férias convidam à conversão, à revisão da vida. Vai tudo ficar na mesma?

Wednesday, August 29, 2007

desumanidade

Por que é que um murro dá direito a que a palavra ‘violência’ surja nas notícias e o desemprego, a pobreza ou o sexismo não? Estamos rendidos aos mecanismos que trivializam as violências e aceitamos a sua invisibilidade. E, no entanto, ela aí está, sempre a impedir a plenitude de realização das potencialidades humanas. Uma posição coerente pela paz impõe, antes do mais, que se assumam como violentas realidades que estamos habituados a não chamar assim. Esse é um grande desafio para os nossos brandos costumes, a começar pelos dos cristãos.

Monday, August 27, 2007

mandar

Como vêem os cristãos a presidência europeia de Portugal? Haverá por certo quem nada veja mais do que um teste à nossa capacidade de gestão. Mas, para os cristãos, a competência não pode ser um bem em si mesmo. É sempre uma qualidade ao serviço de um projecto. É esse projecto que nenhum cristão pode negligenciar conhecer e debater. Mesmo invocando que é coisa complicada. Porque complicado mesmo é ser fiel ao Evangelho na realidade do dia-a-dia. E não é de mais do que isso que se trata.

Friday, August 24, 2007

é o mundo, estúpido!

Temos que fazer da desinstalação a primeira pioridade da nossa vida. Estamos demasiadamente instalados no conforto das nossas seguranças pessoais e na tranquilidade da nossa visão do mundo. A tal ponto que a consideramos única. Precisamos de conhecer o mundo, de o ver na sua maravilha e na sua crueldade. Só assim saberemos sair de nós para sermos mais próximos dos outros.

Wednesday, August 22, 2007

vernáculo

Gosto de me saber numa Igreja que fala a língua do povo. Gosto de me saber numa Igreja em que o sacerdote abraça os seus irmãos e irmãs e nunca lhes vira as costas. Gosto de me saber numa Igreja que não precisa de gestos esotéricos nem de linguagem inacessível para dar densidade à centralidade do mistério.

Monday, August 20, 2007

prisão

Há quem viva obcecado com um ajuste de contas com o passado. Gente que vive mal com a trajectória que fez e que, arrependida, julga acidamente tudo quanto com ele se relacionar. Mas a vida não é fechada. Nenhum passado é condenação. Há sempre caminhos a percorrer para a frente. Para mudar o futuro sem nenhuma acidez. Com confiança.

Friday, August 17, 2007

slot machine

Os casinos são para muitos ícones de férias. São lugares de jogo, em que sorte e azar ditam fortuna ou pobreza. Mas são também metáforas do mundo. De uma economia em que há muito dinheiro que se circula sem outro objectivo que não seja o de especular. À espera que algo tão artificial como uma roleta ou uma slot-machine acrescente dinheiro ao dinheiro jogado. O capitalismo de casino é um pecado sem férias.

Wednesday, August 15, 2007

ascensão

Haverá sempre quem discuta a veracidade física da ascensão ao céu de Maria. Mas essa é uma discussão desinteressante. Importa é reconhecer que a uma mulher foi dado um lugar de glória nos fundamentos do cristianismo. E importa tirar daí consequências práticas para a Igreja. Essa uma discussão importante. E nada tem de metáfora.

Monday, August 13, 2007

ecossistema

Este é também um tempo de mergulho na natureza. Em que a criação aparece aos nossos olhos como um dom único. Na montanha que esmaga a nossa pequenês, como no mar que nos inebria sem cessar, confrontamos a nossa humanidade com os seus limites e com o que a transcende. O recolhimento diante da natureza que nos envolve e a sua contemplação silenciosa e emocionada podem ser expressões de louvor a Deus.

Friday, August 10, 2007

férias

No nosso tempo de férias, não há férias para muita gente. Gente que não tem trabalho e para quem a palavra férias não tem sentido. Gente que não tem férias porque não pode perder o sustento de um dia de trabalho ou de um prémio de produção. Gente que não tem férias porque entrou numa espiral de vida em que não há lugar para o descanso nem para a disponibilidade. É sobretudo nestas vidas sem férias que temos que pensar neste tempo de férias.

Wednesday, August 08, 2007

heroísmo

Falava há tempos uma reportagem de creches que funcionam 24 horas por dia. E mostrava as vidas que as tornam imprescindíveis. Falava de operárias que vivem a angústia de optar entre um filho e o sustento de um emprego precário. Falava de casais com profissões que atiram os seus membros para longe e tornam a opção de ter filhos um risco desagregador. Não falava de políticas de apoio à natalidade porque soaria a falso. Também não usava a palavra heroísmo. Porque, ao falar de uma sociedade desumanizada, era só de heroísmo de mulheres e homens que falava.

Monday, August 06, 2007

silly

Dizem os editorialistas que esta é a silly season. A estação tonta, em que não há nada de importante para noticiar, em que é o quotidiano, na sua normalidade desinteressante, que se destaca e em que não há factos transcendentes a divulgar. Esse é, no entanto, um grande desafio: fazer do quotidiano normal, sem nada de especialmente notório, um tempo rico nas nossas vidas. Que só é tonto porque não obedece aos cânones da velocidade sem sentido e da competição sem alma.

Friday, August 03, 2007

de muito longe

Nas festas de Agosto mostra-se a alegria por voltar a ver aqueles que há muito partiram ou que há muito deixámos. Nas festas de Agosto, a condição de emigrante é valorizada pela comunidade, reconhecendo a centralidade dos afectos e pondo em prática uma ética de cuidado. Uma lição que devia ser aprendida para o tratamento de quem, também de muito longe, se acolheu a Portugal em busca de melhor futuro. Ou será que os nossos emigrantes são dignos de mais carinho que os imigrantes para Portugal?

Wednesday, August 01, 2007

bem-aventurança

Bem aventurada seja a poesia. Bem aventurada pelo nó no peito que nos provoca e pelo arrepio da alma que nos traz. Bem aventurada por dizer aquilo que não pode nunca ser dito. Bem aventurada por mostrar que a condição humana é densa e rica. Bem aventurada por nos pôr sem defesa diante do espelho da humanidade mais funda. Bem aventurada seja a poesia. Para sempre.