fora da lei

Ilegalizar a pobreza, nada menos do que isso. Encará-la como a escravatura ou a violência doméstica - foi isso que se reclamou em recente iniciativa da Comissão nacional Justiça e Paz. A pobreza é a maior violação dos direitos humanos. Ilegalizá-la é subir o patamar da decência universal. Para os cristãos, este é um dever de consciência, é a expressão coerente do arrependimento de um pecado grave.

línguas de fogo

A tentação de falarmos uma só língua dentro da Igreja sempre foi grande. Termos os mesmos gestos, as mesmas opções, as mesmas palavras, sem atritos nem contradições, tornaria tudo muito mais fácil, aparentemente. Mas os cristãos não são clones uns dos outros. Graças a Deus. Como no Pentecostes, cada um ouve Deus no seu registo próprio. Cada um diz Deus por palavras e gestos seus, únicos e irrepetíveis. A sinfonia, com dissonâncias e ritmos desencontrados, é a música, difícil mas apaixonante, da fé.

áfrica

O Dia de África, que hoje se celebra, devia ser vivido como um sobressalto. Para os cristãos, o Dia de África tem que ser uma exigência radical de conversão à simplicidade e à pobreza. Mas também à festa, à alegria exuberante, à cor garrida e ao corpo vibrante, como gestos genuínos de louvor. Pensemos hoje em África como um grande desafio às nossas vidas.

workholics

A sobre-valorização do trabalho, em desfavor da família, da cidadania ou da disponibilidade, é um sintoma de crise. E mais ainda quando não é uma escolha mas uma necessidade. Uma sociedade que premeia o totalitarismo da profissão é uma sociedade doente. Uma sociedade que olha o lazer e a contemplação como símbolos de preguiça carece de mudanças profundas. E como vivem os cristãos, no seu dia-a-dia, esta questão?

apartheid

A exclusão social é cada vez mais rígida. Em todas as escalas, desde as periferias das cidades às periferias do mundo rico, formam-se territórios de pobreza, proibidos de aceder aos benefícios do progresso e policiados para garantir o sossego das gentes prósperas. Não vivemos numa aldeia global. Vivemos num apartheid global.

mestiçagens

Vi os indígenas Maias a serem acolhidos nas suas preces e oferendas em templos católicos na Guatemala. E pensei que ser católico é sempre abrir-se à multiplicidade de registos culturais que a fé encarna. O diálogo da fé com as culturas tem que ser de grande abertura e humildade, sem a arrogância de querer disciplinar a torrente da vida. Ser crente é muito mais do que defender um qualquer código cultural. Uma fé aprisionada pelo pó acumulado de visões culturais é ela própria um cárcere.

a pomba de deus

Na Irlanda do Norte, mais de 3500 pessoas morreram numa guerra sem quartel entre as comunidades católica e protestante nos finais do século XX. Agora parece chegado o tempo de ensaiar a paz. Não foi Deus que segurou o braço da espada, de nenhum dos lados da guerra. Mas pode Deus ser o alicerce mais fundo desta paz a construir-se. Aos crentes cabe louvar o Deus da paz e repudiar a apropriação de Deus pelos que fazem a guerra. Na Irlanda, como em todo o mundo.

obra

“Templo, não vi nenhum na cidade; pois o Senhor Deus é o seu templo”. Estas palavras, do Livro do Apocalipse, lidas nas missas de ontem, desafiam o senso comum. Porque também as comunidades católicas, como os autarcas ou os governantes, têm a tentação de deixar obra feita que se veja. De tijolo e argamassa, de preferência. Mas Deus não se confina a nenhum espaço físico. O seu templo mais sólido são os nossos estilos de vida.

centro

Na cultura Maia, a rosa dos ventos tem cinco pontos cardeais. Ao Norte, ao Sul, ao Leste e ao Oeste junta-se o centro que é a pessoa. O tradicional coro de queixumes que chora a desorientação das nossas sociedades, ou a acidez de quem acusa os mais novos de terem perdido o norte, teriam muito a aprender com esta lição de vida. Não é do Norte de valores rígidos nem da orientação de dogmas sisudos que precisamos. É de nos recentrarmos, de nos vermos como o lugar da dignidade.

ver

O velho olhava todo o dia para o mar. Ao seu lado, o rapaz, tranquilo, dizia que a sua função era ajudá-lo. Diante da imensidão da realidade, precisamos do olhar dos outros para vermos a vida como ela é. Só a mistura dos olhares nos dá uma imagem próxima do horizonte. Sem essa combinação, há demasiadas coisas que permanecem invisíveis.

fitas

Ao abençoar por estes dias as pastas dos universitários, a Igreja arrisca-se a pouco mais do que marcar presença social na festa. Se não tiver o arrojo de interrogar o sentido social do conhecimento, se não tiver o desassombro de ler criticamente o quotidiano da universidade e sobretudo o futuro que se desenha para quem lá está, a Igreja passará pobremente ao lado da sua missão profética.

desafio

É claro que se pode viver sem acreditar. Mas a fé acrescenta mais olhar à vida. Não a deixa refem do que está e põe-lhe à frente um horizonte nunca experimentado. Crer para ver com olhos mais arrojados, eis o desafio.

maria

Este é, para os católicos, o mês de Maria. O rosto materno de Deus tem muitos rostos concretos nas nossas histórias pessoais. O Deus Mãe tem que ser uma referência na nossa vida e na nossa condição crente. Sem que isso possa alguma vez justificar complacência com as discriminações impostas às mulheres nas nossas sociedades e nas nossas comunidades. Muito pelo contrário. Maria é um apelo à mudança, não à resignação.