revisão de vida

Que critérios temos para o balanço do ano que agora termina? Para lá do estafado inventário do acontecimento mais importante e da pessoa mais destacada, como avaliamos a nossa vida no ano que passou? Que revisão de vida fazemos? E como entram os outros nessa avaliação?

pausa

Esta suspensão do tempo entre o Natal e o novo ano é como que uma possibilidade que nos é dada para nos prepararmos bem para o que vem. A proposta radicalmente nova já está entre nós desde o Natal. Mas o tempo civil do recomeço ainda tarda uns dias. Esta é a pausa para interiorizarmos, portanto. Para depois partirmos. Sem hesitações.

origens

Esta religião nasceu frágil: a grandeza de Deus chegou-nos por uma criança. E nasceu rebelde: um menino, traquinas como todos os meninos, que transtornou a tranquilidade dos mais velhos. Fragilidade e rebeldia são talvez o que de mais genuíno e limpo há na aproximação específica do cristianismo ao mistério do indizível. Ao sagrado. A Deus.

belém

Está tudo cheio na cidade. Sei que é de urgência mas já não há lugar para os senhores. Deixem passar quem anda às compras, faz favor. Tenham paciência, não é o melhor momento para fazer desconto a famílias sem meios em estabelecimentos hoteleiros. Tivessem vindo antes. É uma pena, mas só mesmo ali, naquela garagem abandonada, é que poderão ficar. E agora desculpem mas tenho que ir. A minha gente está à espera de mim para celebrarmos o Natal...

história

Daqui a uns dias recordaremos a genealogia de Jesus. Gerações e gerações para trás, à procura das últimas raízes. Não é de brasões de família que se trata, mas da compreensão de que o Menino Deus foi história como nós. Agora é o tempo de os crentes reconhecerem a genealogia da sua condição. De compreenderem quem e o quê os fez dar os passos inseguros para a fé e a esperança. De tirarem a poeira do que parece eterno e de saberem que também ser crente se faz na História.

aniversário

Fazer um balanço do caminho percorrido. Olhar para trás e reconhecer a razão de cada passo, de cada hesitação, de cada queda. Varrer a má consciência de caminhos por andar com a humildade de saber que se fez o percurso que havia para fazer. Chegar aqui e ver à frente motivos de entusiasmo. Sentir a urgência de ser já tarde para começar ainda outra vez. E sempre, mas sempre, dar graças à vida por nos ter dado tanto.

profetas

Onde estão os profetas? Aqueles que o foram de verdade denunciaram, sem dó nem piedade, quer os crimes dos não crentes, quer os rituais hipócritas e vazios do povo de Israel. Os guardiões do tempo e do templo repudiaram-nos como agitadores e provocadores de desordem. Como seria hoje?

modelo

Só os humildes, grandes e pequenos, na vida e na Igreja, conhecem o gosto único da procura honesta e sincera de Deus. Quem tenha a arrogância de supor que possui o modelo certo para chegar a Deus afasta-se dele. Porque Deus não se domestica em nenhum modelo.

no deserto

A antecipação da vinda de Jesus começa com uma voz que brada no deserto. Realmente, isto de mudar a vida nunca foi assunto apetecido por maiorias. O grito de João Baptista - "endireitai as veredas do Senhor" - teria hoje muitas traduções. Todas soariam a tontice fundamentalista. Todas seriam simples vozes no deserto.

sem mácula

O que os cristãos celebram hoje na festa da Imaculada Conceição não é um acidente biológico. E muito menos é uma celebração de uma suposta virtude de repúdio do corpo. O que celebramos hoje é a gratuidade. É a disponibilidade para mudar a vida de repente, para que a novidade perturbadora, absolutamente inesperada, seja acolhida com entusiasmo. Sem a mácula da negociação de contrapartidas.

bússola

A procura de Deus dispensa mapas. Não há cartografia que nos guie por caminhos certos e seguros para Deus. E ainda bem que é assim. Porque é uma procura que não acaba. No fim da estrada não haverá nenhuma paisagem conhecida nem nenhum albergue retemperador das forças. Haverá apenas um convite, um desafio. Para continuar a caminhar.

o que vem

De muitos sítios vêm vozes que nos convidam a não agitar muito as águas. O recado é o de que não há como criar um futuro que seja substancialmente diferente do presente. Que o melhor mesmo é manter os pés bem assentes na terra e não sonhar com um amanhã de vidas transformadas. Se o advento, que agora começa, não for vivido como um corte com este espírito, se não for um caminho de aprendizagem da disponibilidade plena para acolher a novidade mais inesperada, não servirá para nada a não ser para o cumprimento de um ritual vazio.

independência

Em dia de celebração da independência nacional, vale a pena reler a encíclica "Populorum Progressio", escrita por Paulo VI há 40 anos. Ali se diz que o nacionalismo é um "obstáculo à formação de um mundo mais justo e mais estruturado numa solidariedade universal. (...) É normal que nações de cultura antiga se sintam orgulhosas do património que lhes legou a História. Mas estes sentimentos legítimos devem ser sublimados pela caridade universal, que engloba todos os membros da família humana."