Monday, July 31, 2006

grandes

A memória das férias que eram realmente grandes abala-me. Era o tempo dos livros grossos, dos avós, das viagens mágicas, de um ritmo que mudava devagarinho até atingir um estranho registo de serenidade. Eram férias grandes no tempo e na humanidade. Agora que me resignei à moda de que férias de uma semana é um tremendo privilégio, essas férias realmente grandes ganham um sentido interpelador: que tempo nos damos para edificar a nossa própria humanidade?

Friday, July 28, 2006

na gaveta

Arrumar a vida antes de ir para férias – essa é uma espécie de mandamento da vida comum. Despachar mil e um assuntos em depósito na secretária, fazer agora os telefonemas que foram esperando meses, planear com minúcia o que fomos deixando à espera de inspiração. É como fechar uma gaveta que acabámos de arrumar. Com a ilusão de que, desta vez, é de vez. Não, a vida não fica disciplinadamente à espera do regresso. Ela salta já a seguir da gaveta. A desafiar-nos sem fim.

Wednesday, July 26, 2006

há ir e voltar

Fugir daqui e ir para um sítio qualquer em que não vejamos as mesmas caras de todos os dias. Esse desejo irreprimível de fugir como marca das férias vai a par da vontade indomável de voltar que quem está longe concretiza nestes dias. As multidões que entopem as auto-estradas são rostos anónimos desta babel em que fugir e voltar se entrelaçam com a mesma força vital.

Monday, July 24, 2006

exames

Muito para lá do ruído que atravessa todas as discussões sobre exames, temos que nos interrogar sobre o que significa nas nossas vidas a avaliação. Como nos examinamos? Que perguntas nos fazemos? E que nível de exigência nos impomos? Mais que tudo, que critérios fixamos para julgar as nossas próprias respostas? Nas nossas comunidades, é ou não verdade que continuamos teimosamente apegados a tabelas de avaliação que o tempo desgastou sem remissão?

Friday, July 21, 2006

censura

Proibimos algumas imagens. As explosões, os corpos esventrados, o choro louco dos sobreviventes, não devem ser vistos por crianças e por pessoas facilmente impressionáveis. Mas ao nos enganemos com esse pudor: não são as imagens que são impróprias. É a realidade que elas ilustram.

Wednesday, July 19, 2006

state building

O homem encarou de frente o militar estrangeiro e disse-lhe: “vocês podem fabricar armas nucleares, podem fabricar governos e constituições. Mas há uma coisa que nunca conseguirão fabricar: um povo.” E aquele adolescente, mandado do outro lado do mundo sem saber bem porquê, percebeu naquele momento que talvez ele próprio tivesse que se reconstruir por dentro antes de reconstruir, das cinzas, aquele país.

Monday, July 17, 2006

cratera

O que cada bomba destrói é muito mais do que o que se adivinha no betão desfeito e nas vigas retorcidas. É muito mais do que o que se adivinha no esgar de terror dos homens e das mulheres que fogem. É muito mais do que o que se adivinha nas colunas de fumo espesso ou nos clarões na noite. O que cada bomba destrói é o mínimo de humanidade que precisamos de ver no outro para ter sentido a nossa própria vida. Perdoa-nos Pai pelo nosso silêncio cúmplice diante de cada bomba que cai e de tudo o que ela destrói.

Friday, July 14, 2006

revolução

Liberdade, igualdade, fraternidade. O grito que hoje celebra 217 anos não tinha Deus nas palavras. Houve e há quem o queira contra Deus. Mas o Deus de Jesus Cristo nunca tremeu senão de alegria diante da liberdade dos homens e das mulheres. O Deus que é paizinho não diferencia o valor, o lugar ou a importância de cada um dos seus filhos. E é este Deus que nos chama a construirmos a fraternidade funda e sem fim. Liberdade, igualdade e fraternidade: que fantástico projecto para os crentes!

Wednesday, July 12, 2006

letal

Também o silêncio mata. Todas as munições juntas não chegam para destruir por dentro o que o silêncio, pensado e gelado, destrói. É um a arma feroz, habitada pelo mais fundo da nossa desumanidade. E, porque não destrói em massa, é meticulosa, personalizada. Pouco a pouco, cerramos fileiras nos exércitos cínicos do silêncio.

Monday, July 10, 2006

medos

A menina a quem disseram que era muito mais seguro mudar para longe a prisão que havia ao pé da escola não se conformou. E naquele debate de engenheiros, políticos e doutores, ela disse com firmeza: “A cidade não são só centros comerciais e pavilhões multi-usos! Os presos também são parte da nossa cidade. Não condenem a minha geração a pensar neles como se fossem realidade virtual”. Nenhum medo passou nas suas palavras. A não ser o de que alguém a quisesse privar do seu sonho de uma cidade inteira.

Friday, July 07, 2006

regresso

Daqui a dois dias regressa a vida real, feita de problemas e de alegrias comuns. Perder um jogo deixará de ser mais importante que perder o emprego e um beijo carinhoso será, de novo, mais importante que ganhar um jogo. E havemos todos de reflectir sobre o peso que competir tem no nosso modo de viver.

Wednesday, July 05, 2006

um tiro no escuro

Chegam notícias de Nova Iorque. Ali se revê, por estes dias, o Programa de Acção das Nações Unidas sobre Armas Ligeiras. E, como sempre, a vontade dos militantes choca com os interesses dos Estados, sobretudo dos mais poderosos. Os cristãos têm um lado certo e inequívoco neste debate: o de uma sociedade justa e livre de armas. Mas dos cristãos exige-se que sejam muito mais do que adeptos passivos – que sejam militantes na transformação das condições que alimentam a proliferação das armas.

Monday, July 03, 2006

vidinha

Quando já deixámos de acreditar a sério na possibilidade de mudar a vida, é a nossa vida que se torna o absoluto. Tudo gira à volta de cada pequeno gesto, de cada pequena frustração, de cada pequeno entusiasmo da nossa pequena vida. Cremo-nos heróis ou perseguidos pelo mundo inteiro. Mas não há glória nem cabala que disfarcem o essencial: é que é no mundo lá fora que a vida de cada um é importante. Ou não é.