Friday, December 30, 2005

balancete

O que pomos no deve e no haver do balanço das nossas vidas no ano que agora finda? O que foi bom, foi-o em nome de quê? Que projecto nos faz seleccionar isso como positivo e lembrar aquilo como negativo? Ano após ano, que vida estamos a viver? E, mais que tudo, que vida estamos a construir mudando a vida?

Wednesday, December 28, 2005

viva la vida!

Agora é o tempo da memória dos mortos ilustres deste ano. Os jornais lembram-nos invariavelmente por esta altura aqueles e aquelas que marcaram a nossa vida colectiva e que desapareceram no ano que passou. Em cada um desses rostos vemos reflectida a riqueza da vida. E é ela que persiste, que é ilimitadamente presente. Apesar da morte. Contra ela.

Monday, December 26, 2005

sobressalto

Ou foi uma espécie de susto ou então não valeu a pena. O que ontem perturbou a normalidade da vida de tanta gente foi um tremendo desafio a mudar a vida. E a gente sabe que é daqueles desafios para levar a sério. A tentação é dizer “já passou”. E fazer de conta que não vimos, com clareza, que esta normalidade é inaceitável. Não, não passou. E há-de ficar a pairar, como desafio teimoso, sobre as nossas vidas. A pedir que as mudemos de vez.

Friday, December 23, 2005

presépio

Tudo o que é pode não ser. Este manifesto do inconformismo radical, sugerido por Hume, ganha um sentido muito profundo nestes dias de Natal. Mesmo diante da força imensa dos factos, o que o nascimento frágil e pobre de Deus nos ensina é que não há caminhos de fatalidade na História dos homens. Há sempre uma vereda de rebeldia a trilhar ao lado dos percursos tidos por inevitáveis. Tudo o que é pode não ser. Para as ruas tortuosas dessa convicção inabalável nos guia hoje a estrela única que há-de assinalar o lugar dos pastores de Belém.

Wednesday, December 21, 2005

vem aí

O Deus que vem aí fez-se homem. Mas não é nenhum super-homem. O Deus que vem aí encarnou. Mas não é a mera projecção divina do melhor dos homens. O Deus que vem aí é muito mais do que um homem infinitamente bom. O que ele é não cabe nas nossas categorias e nunca seremos capazes de o aprisionar na normalidade da nossa experiência. O Deus que vem aí é amigo dos homens. Mas a sua humanidade é apenas uma porta de entrada para a sua divindade.

Monday, December 19, 2005

escolhas

Esta é uma semana de decisões difíceis. Esquecemos os que vivem na margem, trocando-os por reconfortantes festejos familiares? Fingimos ignorar a ofensa aos que nada têm, disfarçando-a com febre de compras para fazer felizes os que já o são? Mudamos de vida e acolhemos o novo ou preferimos o nosso conforto e atiramos a novidade radical para uma manjedoura ou para outro qualquer lugar menor?

Friday, December 16, 2005

a socio-fé

Quando o que vem da fé se torna roupagem cultural cristalizada, é porque houve todo um processo de redução da mensagem que a tornou moldada a todos os gostos. Muitas e muitas vezes, condena-se como sendo contra a fé aquilo que, de facto, é contra a cultura dominante. Mas também é verdade o inverso: atribuir-se ao neutralmente social aquilo que tem um fundo de fé. Que um não crente chore por estar longe da família no Natal é um sinal que os cristãos têm que saber ler. Com muita humildade mas também com muita esperança.

Wednesday, December 14, 2005

gente importante

Na casa dos meninos abandonados, a visita de gente conhecida é sempre uma grande festa. Faz-se o percurso das instalaçoes, vê-se o muito que falta e equacionam-se projectos. Mas, acima de tudo, é o sorriso dos meninos abandonados que marca. Depois... Depois nao sai nos jornais. Aliás, a alegria dos meninos abandonados nunca sai nos jornais.

Monday, December 12, 2005

companhia de seguros

O nosso tempo eleva a segurança ao top das prioridades. É, por isso, o tempo dos condomínios fechados, da video-vigilância dos espaços públicos, das escutas telefónicas. Este é também o tempo da admissäo de que uns safanöes a tempo podem ser de grande utilidade para obter uma qualquer verdade. Mesmo que seja mentira. E, com isto, este é o tempo do regresso da tortura. Mas näo é, desgraçadamente, o tempo da compreensäo de que a segurança ou é de todos ou nunca será real. E, para ser assim, segurança a sério tem que ir de mäos dadas com desenvolvimento e com abertura de horizontes para quem deles está privado. Só com essa exigência se poderá chegar a outro tempo, em que se possa afirmar que a segurança é o novo nome da paz.

Friday, December 09, 2005

façamos a festa

Amanhã lembrar-nos-ão o aniversário, mais um, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É motivo de festa, sim senhor! Porque nos mostra que, apesar de tudo, há um lado prometedor na História da humanidade. Nenhum Estado, nenhuma instituição, nenhum credo, tem as mãos totalmente limpas nestes 57 anos de história dos direitos humanos. Mas nenhum cinismo é admissível. A busca, sempre mais exigente, da dignidade só tem a confiança como companheira.

Wednesday, December 07, 2005

gulag

Talvez nunca se venha a saber a verdade plena. Mas os indícios de que a chamada “guerra contra o terrorismo” se está a fazer com o uso da tortura, em segredo e em autênticos buracos negros da lei são demasiadamente pesados para serem desdenhados. A tentação do “olho por olho, dente por dente” é muito grande neste tempo. Ela é quase sacralizada e irrecusável aos nossos olhos. A quebra da espiral da violência passou a ser um escândalo. Mas é na recusa dos terrorismos e das torturas que está o caminho da História. Por ele vale a pena pagar o preço da infâmia e da marginalização.

Monday, December 05, 2005

alerta

“Preparai os caminhos do Senhor, endireitai as suas veredas!”, clamava no deserto aquele que não se achava digno de desatar as correias das sandálias do Messias. João Baptista não foi a lebre de uma corrida de fundo nem uma espécie de testa de ferro que abriu caminho para uma entrada triunfal de Jesus na História. Não, ele foi sobretudo a voz de alerta para a oportunidade única da mudança. Muito poucos lhe deram crédito. Não tanto porque comer gafanhotos é repugnante. Mas, mais que tudo, porque mudar de vida e mudar a vida são exigências que não rendem simpatias a ninguém.

Friday, December 02, 2005

o direito à vida

Há muito tempo, há tempo demais, as Nações Unidas instaram os seus Estados membros a afectarem 0.7% do respectivo produto interno a ajuda pública ao desenvolvimento dos Estados mais pobres. Essa meta continua no papel. Mais recentemente, as mesmas Nações Unidas adoptaram 8 objectivos mínimos para uma ordem internacional decente (como a redução da pobreza absoluta a metade até 2015, o combate prioritário à sida, à malária e a outras pandemias, ou ainda a universalização do ensino básico). Os Estados mais poderosos recusaram comprometer-se com quaisquer objectivos calendarizados e quantificados. Quem se levanta contra este pecado. Quem o denuncia como o mais grave dos atentados contra o direito à vida?