Wednesday, August 31, 2005

pronto, já passou...

Não sou adepto da pedagogia do susto. Mas é óbvio que a inércia e a comodidade dificilmente se deixam superar por mero voluntarismo. Neste último dia de Agosto, ter consciência do drama gravíssimo da seca é um imperativo que não pode caber no curto prazo nem se pode limitar a um problema técnico. É político e moral. Se o Outono vier chuvoso havemos de nos querer convencer que tudo voltou à normalidade e que o susto passou. Precisar de angústia para mudar de estilo de vida é um dos sinais maiores de imaturidade. Exigente e sério é poupar o que é abundante para o pôr em comum quando escasseia.

Monday, August 29, 2005

indeterminação

Os passos da paz são sempre pequenos e frágeis. Diante da crispação dos ortodoxos nos colonatos israelitas, da marcha aparentemente irreversível do Irão para a vertigem nuclear e da persistência da nuvem de morte que paira sobre o Iraque, o acordo entre o Estado indonésio e os autonomistas de Aceh passou quase despercebido. Uma guerra com um longo passado e um futuro indeterminado pôde transformar-se numa tentativa de caminho convergente. Entre esse passado marcado a fogo na memória e esse futuro pré-formatado, houve quem ousasse quebrar a espiral da fatalidade. É nessa insubmissão que começa a paz.

Friday, August 26, 2005

o outro referendo

Também há boas notícias. No Brasil, prepara-se um referendo sobre desarmamento que será efectuado em Outubro. Os brasileiros vão votar se a posse de armas deve ou não ser sujeita a regras muito mais apertadas. É uma guerra que vai a referendo. Porque a violência do morro mata por ano mais gente que uma guerra tradicional. Há gente que está no meio dos tiros a tecer a paz. Os milhares de mortos e a bravura de quem arrisca a vida em favor da paz merecem uma nova boa notícia daqui a alguns dias.

Wednesday, August 24, 2005

falhados

Este país descuidado, em que os montes de entulho se espalham pelas beiras das estradas, em que as matas não são limpas, em que a electricidade se rouba com uma derivação clandestina de um poste, ou em que os carros estacionam nos passeios, um país assim em que o egoísmo destrói, quase sempre à socapa, o espaço público, é um país em risco. Neste tempo em que a expressão “Estado falhado” se consagrou para retratar países dilacerados por guerras e cujo governo é mais ficção que realidade, precisamos de nos ver como somos e constatar que aqui falha muito mais do que o Estado. Talvez nada disto passe pela missa de domingo. Mas ai dos cristãos se se convencerem que a fé nada tem a ver com isto!...

Monday, August 22, 2005

na rede

Voltou o circo do futebol. As nossas paixões clubísticas voltaram a ter alimento dominical. O penalty que não foi ou a finta do novo puto-maravilha aí estão outra vez a fazer horas de entusiasmo ou de frustração. Mas o que passa ao lado da paixão é o escândalo dos contratos paralelos, da fuga ao fisco ou à segurança social, dos ordenados inatingíveis que fazem do mundo do futebol um sítio obscuro. Louve-se o desporto e a sua paixão. Mas corte-se pela raíz o mal de um polvo sem regras e com incontrolável poder.

Friday, August 19, 2005

o novo

Diz-se que será o baptismo de fogo para o Papa. Mas é muito mais que isso. A XX Jornada Mundial da Juventude é um profundo teste à credibilidade da Igreja Católica como um todo. Ou há a coragem de, com tenacidade, enfrentar as tensões geracionais e culturais que marcam o ser cristão no nosso tempo, ou o risco de o mundo olhar a Jornada de Colónia como cosmética jovem de algo velho é muito grande. As palavras e os gestos do Papa terão todo o significado. Mas mal de nós se os outros cristãos encararem este momento como meros espectadores de um one-man-show.

Wednesday, August 17, 2005

um homem de paz

Mataram o irmão Roger. Mataram um homem de paz. Mataram um testemunho sereno da fé como força de transformação. Taizé não acaba com esta morte. O sentido de vida de comunidade e de espiritualidade ecuménica ninguém o pode matar. Nestas horas de perturbação e de dor, lembro a lucidez de outra voz da paz, a de Teresa de Calcutá: “A oração é fruto do silêncio. O fruto da oração é a fé. O fruto da fé é o amor. O fruto do amor é o serviço. O fruto do serviço é a paz”.

Monday, August 15, 2005

assunções

A meio do mês de férias, uma festa religiosa que passa despercebida: a assunção de Nossa Senhora. Já passou o tempo de discutir estas evocações em termos físicos e mecânicos: se foi com o apoio dos anjos, se foi por puro chamamento de Deus ou tão só por méritos próprios. Não é uma subida mediática e espectacular que celebramos mas sim que haja lugar para uma mulher no lugar do sublime e da plenitude. O que se tem que festejar hoje é que às mulheres cabe nesta religião uma posição de primeiríssimo plano que nenhuma hierarquização pode negar.

Friday, August 12, 2005

a buzina

Nas manhãs de neblina, enquanto o sol não abre, há uma buzina que soa, sem parar, na praia onde estou. Recriminam-na aqueles que caminham seguros na esplanada. Louvam-na aqueles outros que na imensidão sem referências do mar, buscam um sinal para a terra acolhedora que esperam. Assim é também nas nossas vidas. Precisamos de sinais que nos guiem para a terra firme. E precisamos de sair da acalmia passiva das esplanadas e aventurar-nos no mar. Os cristãos sabem que é assim: sem viver o risco, a segurança é preguiça.

Wednesday, August 10, 2005

materialidade

O corpo que ocultamos de nós mesmos e dos outros no quotidiano das nossas cidades, torna-se, por estes dias, um dos centros das nossas atenções. Juntamente com o sol, a água, o ar fresco, o descanso e a comida mais saudável, é um estatuto diferente que damos ao nosso corpo. É a nossa totalidade como seres que temos que cuidar. Porque cada um de nós é um momento irrepetível da Criação.

Monday, August 08, 2005

salvo-conduto

Da areia vê-se uma imensidão de mar. Não vejo cancelas nem marcas de fronteiras. Sei que há-de haver alguém que me vai exigir uma licença ou um visto. Mas nesse momento hei-de olhar para o metro de mar que ficou ali atrás e hei-de-o achar igualzinho a este onde me dizem que passei para outra jurisdição. Os passaportes e as fronteiras não casam com a unidade do mar. E essa lição havia de ser importante nestes dias de praia.

Friday, August 05, 2005

diversidade unida

Cada turista é uma realidade singular. O que atrai cada um no sítio visitado varia tanto como o cheiro das flores. Mas, para lá das diferenças, sobra em todos os turistas essa coisa comum que é o mergulho no diferente. De paragens exóticas a lugares incaracterísticos, em todo esse longe de nós há um desafio: o de estabelecer uma relação com outras línguas, outras comidas, outros valores. Em dois ou três dias de turismo e num só lugar condensa-se a diversidade do mundo e a dificuldade de ser igual, sendo diferente. Os cristãos afirmam a unidade do género humano. E dão-lhe uma densidade muito para lá do curioso ou do postal ilustrado. Que sabemos nós de quem nos acolhe no nosso turismo?

Wednesday, August 03, 2005

o dom das letras

Este é também um tempo em que os livros se tornam companhia de longas horas. Do ensaio mais elaborado à ficção envolvente ou à poesia delicada, as palavras escritas podem ser um tesouro ou um duche frio a deixar lastro na vida que vamos ter daqui para a frente. Escrever é um dom. Ler e pôr nas palavras o sal e a brisa que as fazem agitar o nosso marasmo é um dom ainda maior.

Monday, August 01, 2005

a vertigem

Para muitos hoje é o começo de um tempo diferente, feito de descanso e de disponibilidade. De mergulho na natureza e de contemplação do mar sem fim. Há nestes dias uma vertigem de que a vida podia ser toda diferente. Vemos claro que os ritmos sempre iguais que nos anestesiam nas cidades são absurdos e que a nossa vida tem que ter outro sentido, onde caiba a pausa, o silêncio e o convívio. Daqui a uns dias saberemos se foi só uma vertigem ou algo que deixou marcas nas nossas vidas.