Monday, January 31, 2005

programas e compromissos

Em tempo de confronto de programas, o dia de ontem marcou uma subida escaldante da fasquia de exigência. Um pouco por toda a parte, em ajuntamentos de centenas de pessoas, clamou-se pela atenção à justiça, à gratuidade, ao cuidado e à mansidão. Mais que tudo, pela centralidade do pobre nas nossas opções. Não se pediram votos mas exigiu-se coerência. Foi ontem, nas igrejas, com a leitura das bem-aventuranças.

Sunday, January 30, 2005

deve haver

Estou consciente de que a relação entre receitas e despesas é central na vida de cada país. Mas o que não aceito é que se reduza a avaliação da crise nacional e o desenho de novos projectos propulsores para o país à engenharia financeira e à verdade das contas públicas. Há muito mais motivos de preocupação para além dos números do orçamento. E, sobretudo, há muito mais motivos de esperança para além do aumento de receitas ou da contracção da despesa. Há mais vida.

Wednesday, January 26, 2005

quantos?...

Quantos cristãos estão a par da mensagem dos bispos sobre as eleições que aí vêm? Quantos cristãos estão cientes de que, para os nossos bispos, “só tem o direito de criticar e denunciar quem se empenha generosamente na busca de soluções”? Quantos cristãos assumem a mensagem de esperança da Comissão Nacional Justiça e Paz, para quem “apesar de um clima de pessimismo que parece querer instalar-se, encontramos pessoas disponíveis, interessadas em melhorar as condições de vida dos cidadãos, o modo de gerir as suas empresas e de aplicar os seus rendimentos, de aperfeiçoar as relações de trabalho e as relações interpessoais”? Quantos cristãos estão disponíveis para ser testemunhas da esperança?

Monday, January 24, 2005

a mercearia

O que pedimos a Deus? Normalmente, tudo: saúde, amor, felicidade, sabedoria e dinheiro, em doses e associações variadas. E, num assomo de má consciência, lá democratizamos o pedido, estendendo-o a todos os outros. O Deus atendedor do balcão desses pedidos responde sempre o mesmo, embora de muitas maneiras: “Acho que não me compreendeste. Aqui não vendemos frutos. Vendemos unicamente sementes”.

Sunday, January 23, 2005

oremos

Há uma belíssima oração de Rabindranath Tagore que diz assim: “Senhor, ajuda-me a mudar o que pode ser mudado, a aceitar o que não pode ser mudado, e a distinguir uma coisa da outra.” Bem-aventurados os que percorrem os caminhos difíceis da mudança, do acolhimento e do discernimento. E que o fazem sem a arrogância das certezas absolutas.

Wednesday, January 19, 2005

calendário

Se há datas feitas para nos sentirmos mais próximo de quem já nos é querido, saibamos aproveitá-las até ao limite. No aniversário de cada um(a), celebramos a grande festa da vida, dizendo – por abraços, por prendas, por sms’s – quanto essa pessoa é importante e indispensável para nós. Futilidades, dizem alguns. Expressão do reino do amor, digo eu.

Monday, January 17, 2005

dioptrias

Lavar o olhar, muitas vezes não chega. Temo-lo toldado por preconceitos e por muita poeira acumulada. Vemos cada vez menos e sem variações de cores, de formas e de sentidos. Neste tempo de abatimento e de depressão colectiva, é bom termos os olhos dos outros para nos ajudar a ver de outro modo e a ver outras coisas. Com coragem, peçamos emprestado o olhar de quem confia, para reforçar em nós a confiança.

Friday, January 14, 2005

eh pá, os partidos é que dividem a malta, pá!...

Entre os cristãos, como na generalidade da sociedade portuguesa, os partidos políticos são alvo de críticas azedas. Não está em causa o fundamento dessas críticas. Mas o que não é aceitável é que quem se poupa ao desconforto das posições colectivas e ao confronto que elas supõem, olhe os que têm um empenhamento partidário como se fossem portadores de uma doença contagiosa. Nem a independência política é um bem sem mácula, nem a militância partidária é uma encarnação do mal. Ambos são meios disponíveis para um compromisso activo na construção do bem comum. O resto são quase só máscaras para o fechamento e para a demissão. São pecados, portanto.

Monday, January 10, 2005

quente e frio

Foram mais as famílias disponíveis para acolher do que as necessárias, na vinda de milhares de jovens a Lisboa para a oração pela paz da Comunidade de Taizé. Em tempo de suspeição perante os desconhecidos, em tempo de fechamento das fronteiras aos que procuram, deste lado do mundo, uma renovação da esperança, este sinal é muito importante. Há lugar para a fraternidade e para a partilha, mesmo na vida agreste da grande cidade.

Friday, January 07, 2005

os olhos

Uma menina índia, de um povo indígena da Guatemala falou para o director da equipa de televisão que filmava o quotidiano da tribo. E disse-lhe: “Eu quero saber de que cor vê você as coisas”. “Da mesma cor que tu”, respondeu ele. “E como sabe você de que cor vejo eu as coisas?” atirou-lhe ela. Vezes demais, damos por assente que a verdade que é a nossa é-o igualmente para todos os outros. Respeitamos pouco a singularidade de cada olhar e a individualidade de cada gesto. Não levamos a sério que cada um de nós é uma criação irrepetível de Deus.

Wednesday, January 05, 2005

os reis dos limites

Vieram adorar o menino. Mas não chamaram as televisões para filmar a cena nem consta que, no dia seguinte, houvesse chamadas de primeira página para o assunto. Foi adoração genuína e não gesto de propaganda para fixar eleitorado católico. Até porque foi um menino pobre que eles procuraram e não um doutrinador com dogmas e certezas. Ainda hoje, dois mil e tal anos depois, continuamos sem saber o que dizer perante o gesto dos reis. Jesus não lhes pediu poder nem eles lhe vieram jurar fidelidade e obediência de estado. Apenas vieram mostrar, duma vez por todas, os limites da política como instrumento de construção da felicidade das pessoas.

Monday, January 03, 2005

um turbilhão de silêncio

Em tempo de ruído mediático, o silêncio interpelador de Taizé veio até Lisboa. Os milhares que se juntaram para rezar e para meditar criaram um visível desconforto nos adeptos do cinismo materialista. Nem frenesim folclórico de tipo pimba, nem mensagens sisudas de condenação das mudanças que o tempo traz às vidas. Apenas silêncio e meditação. Que muitos tenham percorrido milhares de kilómetros para isto é um magnífico sinal dos tempos. Para a Igreja e para os crentes, em primeiro lugar.